TRUMP II E A CRISE (OU DECADÊNCIA) DO MULTILATERALISMO E DA ORDEM LIBERAL
- paraumnovocomeco
- 24 de fev.
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23/02/2025
Por Claudio Luiz Alves de Santana*
A presente reflexão se soma aos inúmeros esforços em compreender o ressurgimento de governos nacionalistas e de extrema-direita, (Trump II, Milei, dentre outros) e o fim (ou crise) do multilateralismo que regeu as relações entre os países no âmbito do sistema internacional liberal, a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, assim como, a emergência de uma possível nova (des)ordem mundial polarizada pelos defensores dos acordos multilaterais (e de seus organismos) versus um americanismo/nacionalista, encabeçado por Trump.
Começaremos contextualizando o surgimento do sistema internacional liberal e dos organismos internacionais, para em seguida tratar da crise do multilateralismo/globalização, e da ascensão dos governos nacionalistas de extrema-direita.
A partir disto, evidenciaremos as relações entre os problemas econômicos estruturais do capital com os rearranjos na Geopolítica do Mundo a partir da crise de hegemonia dos tradicionais centros diretivos do capital e suas implicações no Norte e Sul Global.
A origem do sistema internacional liberal multilateral, dos organismos internacionais e seus objetivos
Antes de tudo, é importante ressaltar que o sistema internacional liberal que ora está em crise (ou decadência), resulta de uma reação aos horrores do fascismo e nazismo e, de toda a destruição promovida pela Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
As Conferências de Teerã (1943), Moscou (1944), Ialta, Potsdam e São Francisco (1945), sendo as duas primeiras realizadas antes do fim da Segunda Guerra Mundial, em que se reuniram, sobretudo, representantes dos Estados Unidos (Roosevelt), Reino Unido (Churchill), União Soviética (Stalin) e outros países, também são partes integrantes do processo de formação do sistema internacional liberal.
Pautado nos “princípios do multilateralismo”, o sistema internacional liberal, oriundo do pós-guerra, tinha como objetivo a “[...] resolução conjunta de problemas internacionais e do aumento das trocas comerciais de bens e serviços, o que implica no aumento dos fluxos de capitais, seja na forma de investimentos diretos, seja como empréstimos financeiros.” (FILHO, 2023)
Por essa razão, “[...] as estratégias multilaterais surgem da necessidade de se estabelecer um planejamento nas relações entre os países no sistema internacional, e seria por fim a cooperação entre os Estados.” (NASCIMENTO, 2023)
Os Estados Unidos tiveram uma participação ativa e decisiva na criação do sistema internacional liberal e dos seus Organismos Internacionais (ONU, OMS, OMC, Banco Mundial, FMI, dentre outros), responsáveis pela implementação das estratégias multilaterais, sendo, por essa razão, principal financiador e, ao mesmo tempo, influente em suas decisões pois, “[...] quando decide investir em organizações que promovem seus interesses, essas instituições passam a sofrer uma maior influência dos seus objetivos.” (NASCIMENTO, 2023)
Portanto, o “sistema internacional liberal” e a suposta “governança global”, a partir dos organismos internacionais (multilaterais), foram impulsionados e sempre estiveram a serviço dos Estados Unidos e dos seus interesses.
Cabe ainda ressaltar que “[...] essa nova ordem estaria alicerçada na criação de relações pacíficas entre as grandes potências [...]” (FILHO, 2023), e visava “[...] a criação de regimes políticos democráticos liberais nos países capitalistas desenvolvidos foi outra base para a formação dessa nova ordem global.” (Ibidem)
A partir de agora, procuraremos identificar a relação entre a ativação dos limites absolutos do capital, o aprofundamento da crise estrutural do capital, sobretudo, a partir de 2008, que repercutiu na atual crise (ou decadência) da ordem internacional liberal.
A ativação dos limites absolutos do capital e a crise (ou decadência) da ordem internacional liberal
A expansão geográfica do capital aos mais longínquos cantos do planeta, ao leste da Europa, a eficiência produtiva baseada no desenvolvimento tecnológico das últimas décadas, deram uma sobrevida ao capitalismo, encobrindo suas mazelas e contradições, até o início dos anos 2000.
Mas, o que vemos agora, é, a princípio, uma ativação dos limites absolutos a essa expansão globalizada do capitalismo, assim, como da eficiência produtiva, bem como de reformas para que se retome um novo ciclo de crescimento econômico duradouro desse sistema em escala global.
Assim, os remédios até então adotados, estão demonstrando a sua insuficiência, numa dimensão cada vez maior, pois: “Quando as coisas não vão bem, ou seja, quando há uma falha no crescimento econômico e em seu correspondente avanço, as dificuldades são diagnosticadas em termos do raciocínio circular, que evita as causas subjacentes e apenas acentua suas consequências [...]”. (MÉZSÁROS, 2011, p.176)
Consequentemente, a “exaustão” da “[...] ascendência histórica do capital [...] (MÉZSÁROS, p. 219) e das medidas adotadas até então, sob a ótica dos capitalistas, identificamos uma reconfiguração das relações entre países e territórios e, das cadeias globais de produção, colocando em xeque o sistema internacional liberal e suas instituições multilaterais (ONU, OMC, OMS, Banco Mundial, FMI ....).
Observamos, que: “[...] apesar da questão da segurança ser o ponto de maior visibilidade da crise, com guerras e tensões militares, fatores econômicos são também essenciais para se entender a situação.” (CARNEIRO, 2024)
Por conseguinte, as sucessivas crescentes econômicas da China, e agora da Índia, além de terem contribuído para a expansão geográfica do capital, sobretudo, nas últimas duas décadas, agravaram a crise de hegemonia dos tradicionais centros diretivos no Norte Global (Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia), agravada a partir de 2008.
Essa apreensão é importante, pois: “Em tempos de estagnação, seguida de dificuldades na recuperação das taxas de crescimento anteriores à crise de 2008, a globalização neoliberal começou a ser questionada pelos seus próprios efeitos.” (MERINO; BILMES; BARRENENGOA, 2024)
Como causa disso, vemos surgir uma polarização, inicialmente no Norte Global, entre “globalistas e americanistas/nacionalistas”, que transcende os tradicionais centros diretivos do capital. Estes últimos, são capitaneados por Trump, desde seu primeiro mandato, por oposições e movimentos de extrema-direita, conservadores e neofacistas, assim como a eleição de governos com essas conotações na periferia e semiperiferia do capital, subservientes aos EUA e seus interesses. Milei, Bolsonaro e Netanyahu, por exemplo, são a expressão disso.
De acordo com MERINO; BILMES; BARRENENGOA (2024):
“Isso pode ser observado no significado da vitória eleitoral e subsequente administração de Donald Trump, com as consequentes políticas protecionistas e promoção da industrialização, juntamente com a busca de dissociação da economia chinesa. Podemos notar o mesmo com o processo de saída do Reino Unido da União Europeia conhecido como Brexit.” (MERINO; BILMES; BARRENENGOA, 2024)
Vemos a relocalização de cadeias de produção (mesmo que sujas) antes executadas na periferia e semiperiferia para dentro dos EUA, assim como a priorização e o uso desenfreado de recursos energéticos e derivados do petróleo.
Daí resulta a saída dos EUA de acordos do clima, da OMS, como também, os discursos de incorporação do Canadá, da Groenlândia e de Gaza, proferidos por Trump em clara afronta à ONU, ao Direito Internacional e ao Sistema Internacional Liberal oriundos do Pós 2ª Guerra Mundial.
PANIAGO (2012) ao analisar a obra citada de “Mészáros e a Incontrolabilidade do Capital”, faz a seguinte alerta:
“A humanidade vive momentos intranquilos. Ao mesmo tempo em que chegamos a uma era com níveis de desenvolvimento da técnica, da ciência, da cultura, da informação e da produção material de riqueza nunca vistos, encontramo-nos à beira de um desequilíbrio ecológico de proporções desastrosas, que acompanhado por um descarte progressivo de enormes contingentes de populações supérfluas, pois não mais necessárias à acumulação privada da riqueza que caracteriza o capitalismo global, nos leva a temer pelo futuro.” (PANIAGO, 2012, p. 13)
Apesar de feito este alerta num contexto anterior ao trumpismo e seus asseclas, esse alerta é fundamental para os dias atuais, pois a “lógica destrutiva do capital” ora em curso, se aprofunda a cada ano.
Considerações finais
O que vimos até aqui, nos permite chegar a algumas conclusões.
Acreditamos que o aprofundamento da crise estrutural do capital, a partir da crise de 2008, que teve como epicentro os Estados Unidos e as tentativas de retomar as taxas de lucros anteriores a este período, estremeceram a geopolítica do mundo, dando origem a uma polarização entre multilateralistas (globalistas) x americanistas/nacionalistas, que incentiva, desde os anos de 2010, oposições e movimentos de direita e de extrema-direita, conservadores e neofacistas em vários países, sobretudo, nos periféricos e semiperiféricos do Sul Global, para que sejam subservientes aos desejos e interesses estadunidenses.
Portanto, os problemas econômicos estruturais do capitalismo e as tentativas de resolvê-los pela via autoritária e a crise de hegemonia dos tradicionais centros diretivos do capital (Estados Unidos, Reino Unido, Japão e União Europeia), estão por trás da ascensão de Trump I e II, Milei, Netanyahu, assim como foi Bolsonaro no passado recente do nosso país.
Ao mesmo tempo, os governos com essa coloração são uma resposta ao aumento da influência internacional da China e uma tentativa de conter um possível crescimento do papel dos BRICS em escala global.
Por fim, os impactos são terríveis sobre a vida dos trabalhadores. Além de serem expostos aos falsos discursos de salvação da direita, extrema direita, conservadores e neofacistas, são recobrados para uma “maior disciplina do trabalho” e “maior eficiência”, sofrem com o desemprego crônico, trabalhos temporários, intermitentes, precarizados e plataformizados.
*Professor de Geografia das Redes Estadual de São Paulo e Municipal de São Paulo; integrante do Para Um Novo Começo – Centro Político Marxista.
Bibliografia:
CARNEIRO, C. A. L. O mundo não é mais o mesmo: transformações e crises na geopolítica global (Entrevista). Jornal da USP no Ar 1ª edição, 09/10/2024. Disponível em: https://jornal.usp.br/.../o-mundo-nao-e-mais-o-mesmo.../. Acesso em: 08/02/2025.
FILHO, J. E. S. A crise da ordem internacional (neo)liberal. Le Monde Diplomatique Brasil, 23/11/2023. Disponível em: https://diplomatique.org.br/crise-ordem-internacional.../. Acesso em: 01/02/2025.
MERINO, G. E.; BILMES, J.; BARRENENGOA, A. China, estagnação do Norte Global e novo paradigma técnico-econômico em disputa. Tricontinental Brasil, 28/11/2024. Disponível em: https://thetricontinental.org/.../economia-na-desordem.../. Acesso em: 11/02/2025.
MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. Trad. de Paulo César Castanheira e Sérgio Lessa. São Paulo: Boitempo, 2011.
NASCIMENTO, G. A. R. O Multilateralismo e as Organizações Internacionais. Politize, 04/08/2023. Disponível em: https://www.politize.com.br/multilateralismo-e.../. Acesso em: 05/02/2025.
PANIAGO, M. C. S. Mészáros e a incontrolabilidade do capital. São Paulo: Instituto Lukács, 2012. 2. ed. rev
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