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SOBRE A “ONDA CONSERVADORA” E O RESULTADO DAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE 2020

  • paraumnovocomeco
  • 10 de abr. de 2021
  • 5 min de leitura

12/12/2020



Publicamos essa provocativa e instigante contribuição da professora Silvia Adoue, não apenas ao balanço das eleições mas também sobre os rumos que a esquerda deve tomar a partir de agora em que se desenha um agravamento da crise na e no pós pandemia.


SOBRE A “ONDA CONSERVADORA” E O RESULTADO DAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE 2020 Silvia Adoue

Tivemos eleições municipais para escolher os prefeitos dos 5.570 municípios brasileiros, com seus 57.000 vereadores. Vou falar do atual mapa de resultados, mas antes gostaria de fazer algumas considerações mais gerais.

A primeira coisa a dizer é que as análises eleitorais parecem cada vez mais com estudos de mercado. Longe de todo o discurso sobre cidadania, a democracia representativa se transformou num mercado de consumo de discursos ou, no melhor dos casos, políticas públicas que são ofertadas pelos candidatos feito cardápio. A mercadoria, como forma de intermediação, também domina as maneiras o exercício das opções políticas. As reclamações pela “publicidade enganosa” dos candidatos eleitos aparece, em muitas ocasiões, de maneira parecida às denúncias aos órgãos de proteção ao consumidor. Qualquer análise de eleições precisa levar isto em consideração.


A “onda conservadora” Desde o triunfo eleitoral de Jair Bolsonaro, que é, ele próprio, pessoalmente, fascista, em 2018, se fala em “onda conservadora”. Mas precisamos dizer a que nos referimos quando falamos em “onda conservadora” e quais são suas causas. Há, sim, uma exacerbação notável das formas explícitas da ordem racista e patriarcal na sociedade.

E isto não acontece apenas no Brasil. No mundo vemos grupos conservadores que prosperam como consequência da decepção com a promessa democrática de acesso ao padrão de consumo proposto após a 2ª Guerra. Na América Latina, vivemos sucessivos ciclos nos que se aponta para o ingresso de amplos setores da sociedade a novos padrões de consumo, para depois negar às grandes maiorias o acesso a esse consumo.

Testemunhamos recentemente um desses ciclos, que coincidiu com os dois primeiros governos do Partido dos trabalhadores e parte do terceiro. Durante esse período, se continuou com a flexibilização das relações de trabalho iniciada nos ‘90, ao mesmo tempo em que se ampliaram as políticas compensatórias, as de aceso ao crédito para consumo direto e as de acesso à educação superior, que fez passar o ingresso à escolaridade superior de 9% a 17%.

Mas o aceno feito à sociedade de que essas políticas permitiriam, por si mesmas, o ascenso social, era enganoso. Já que chocavam com o teto da flexibilização das relações de trabalho e o deterioro do salário junto com a reprimarização da economia, com ênfase na indústria extrativa e o agronegócio, que não são uma grande fonte de emprego permanente. A expectativa massiva frustrada começou a se manifestar em 2013. E a esquerda institucional não apresentou alternativa ao projeto que ela própria estava levando adiante desde o governo. A frustração gerou um ressentimento generalizado, e a exclusão do paraíso prometido foi atribuído às políticas compensatórias para aqueles que, segundo dizia o discurso esgrimido pela direita, “pouco se esforçaram”, vistos como um buraco sem fundo por onde se esvaem as ilusões dos que se julgam “com mérito”,

Essa força social que é o ressentimento vem sendo utilizada de cima com objetivos desestabilizadores e destrutivos. Desestabilização e destruição necessárias para promover a integração intensa dos territórios às novas cadeias extrativas. É um recurso diferente ao que foi utilizado nas décadas de ’60 e ’70 na nossa região. Naquela época, lançaram mão de contrarrevoluções preventivas para desarticular possíveis resistências ao novo padrão de dominação que pretendiam implantar. Agora contam com essa força social para provocar um estado de desestabilização permanente e destruição irreversível da ordem anterior. Não apenas a ordem que deveio após a ditadura, e o marco legal da Constituição de 1988. Trata-se da ruptura com qualquer pacto de classes (de cima) que contemple direitos para os que vivem do seu trabalho e os territórios.


O mapa dos resultados na linha do tempo Nas últimas décadas, o panorama partidário estava delinhado pela oposição entre PT e PSDB, com o PMDB e os partidos do chamado “centrão”, integrado em parte por pequenos partidos “de aluguel”, como fiel da balança. No novo mapa eleitoral, de fato, o maior número de prefeituras ficou sob administração do PMDB, PSDB e DEM. Mas apenas dizer isso é tirar uma fotografia instantânea. Se observarmos estas eleições como o fotograma de um filme, com a dinâmica de crescimento e decrescimento do apoio eleitoral para esses partidos, vemos que o PMDB perdeu quase 32% dos votos desde as eleições de 2016, e o PSDB perdeu mais de 43%. Dos três mais votados, apenas o DEM aumentou sua votação, e aumentou em 56%.

E houve um crescimento considerável do desempenho eleitoral de pequenos partidos de direita, a maioria de formação recente, que se constituíram ou reformularam com o objetivo de capturar a preferência dos que votaram em Bolsonaro. Mas Bolsonaro está sem partido. E também, de fato, poucos dos candidatos que apoiou venceram. Esses novos, e, alguns, nem tão novos, partidos, pela “cláusula barreira”, precisavam, para continuar no páreo nas próximas eleições, ter um bom desempenho nestas eleições. Isso fez com que muitos deles abrissem a legenda para candidatos variados, com posições e pautas programáticas bastante ecléticas.

Essa atomização deu lugar a coligações locais bastante surpreendentes em alguns municípios, que chegavam a juntar candidatos do PT com a ultradireita bolsonarista. Isto, é claro, foi favorecido por uma campanha que teve pautas locais associadas às pequenas políticas públicas. Campanhas sem muita diferenciação, sequer tiveram uma estética que lembrasse tradições partidárias anteriores.

Os partidos da esquerda institucional conseguiram pouco mais de 10 milhões de votos. Com exceção do PSOL, para o qual migraram alguns votos do PT, os partidos de esquerda tiveram perdas eleitorais. Somados os partidos que se posicionam claramente contra o presidente Bolsonaro, apenas ultrapassam os 20 milhões de votos. A campanha da esquerda institucional evitou “assustar” com pautas que afetassem interesses econômicos. O próprio Guilherme Boulos, que se lançou à atividade política desde o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, associado, por tanto, às ocupações para moradia, focou sua campanha em desmontar sua imagem de radical.


O que vem pela frente É que os partidos da esquerda institucional agem mais como comitês eleitorais que como organizadores das lutas populares. Sua relação com os movimentos sociais tende a tornar esses últimos mediadores na demanda de políticas públicas cada vez mais pontuais. Presos que ficaram à tática de ocupar espaços institucionais e, desde esse lugar, “acumular forças”. O que era formulado como tática é hoje uma estratégia à qual está subordinada qualquer ação.

Nenhum desses partidos propõe algum projeto societário diferente ao vigente. Perante as revoltas provocadas pelas catástrofes do extrativismo, as expressões abertas da guerra civil latente contra a população, seja na forma de violência policial contra a população negra da periferia, na forma da violência machista, as organizações formadas no período anterior respondem com demandas de políticas públicas. Práticas essas que tendem a dissipar a potência transformadora das lutas sociais. Ao assim fazer essas organizações políticas agem como o pintor de parede que fica pendurado da brocha e sem escada. Uma de duas: ou se espatifa no chão, ou termina agarrado do lugar de agente do projeto dos poderosos.

Dos 150 milhões de eleitores, apenas 70% emitiram votos válidos. Para além dos cuidados com a pandemia, isto é sinal do desinteresse de grande parte da população com a pequena política. Frente à recessão, com o consequente deterioro do emprego e do salário por um lado e com a crise alimentária que o acompanha, a política eleitoral não apresenta qualquer esperança para aqueles que vivem do seu próprio trabalho. Os sentimentos que nos acompanham são de revolta desesperada ou resignação.

Aposto, porém, nas relações de solidariedade e mutualidade que se amassam fora das lutas eleitorais. Sem muito barulho e lentamente, os de baixo refazem suas redes.

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