RÚSSIA: DAS SANÇÕES À RECESSÃO ?
- paraumnovocomeco
- 22 de mar. de 2022
- 7 min de leitura
MIchael Roberts*
Publicado originalmente em 27/02/22
22/03/22

A guerra econômica entre o grupo da OTAN liderado pelos EUA e a Rússia está escalando ao lado da guerra real na própria Ucrânia. Em resposta à invasão da Ucrânia pela Rússia os EUA e a Europa aumentaram a aposta na imposição de sanções econômicas. A primeira delas foi a suspensão de quaisquer negócios com vários bancos russos importantes, incluindo os dois maiores, Sberbank e VTB. No entanto, foi significativo que as sanções excluíssem o Gazprombank, o principal credor russo para empresas de exportação de energia. Claramente, o Ocidente não quer interromper as exportações de petróleo e gás por meio de sanções, quando apenas na Alemanha 40% da energia depende de importações russas.
Como resultado, o pacote de sanções da OTAN tem exceções substanciais. Mais notavelmente, embora sancione as principais instituições financeiras russas, isenta certas transações com essas instituições relacionadas a energia e commodities agrícolas, que representam quase dois terços do total de exportações. Significativamente, a Itália fez lobby com sucesso para isentar a venda de bolsas italianas Gucci para os ricos da Rússia da proibição de exportação!
Agora a líder da UE Von der Leyen e Biden na Casa Branca anunciaram que “trabalharemos para proibir os oligarcas russos de usar seus ativos financeiros em nossos mercados”. Biden diz que os EUA “limitarão a venda de cidadania – os chamados passaportes dourados – que permitem que russos ricos ligados ao governo russo se tornem cidadãos de nossos países e tenham acesso a nossos sistemas financeiros”. A UE e os EUA estão lançando uma força-tarefa para “identificar, caçar e congelar os ativos de empresas e oligarcas russos sancionados, seus iates, suas mansões e quaisquer ganhos ilícitos que possamos encontrar e congelar”.
A ironia e a hipocrisia dessas medidas propostas não devem ser esquecidas. Durante décadas os governos ocidentais ficaram felizes em pegar esse “dinheiro sujo” e até permitir que os oligarcas ganhassem cidadania e privilégios especiais para exercer influência na política de seus países para fortalecer os partidos pró-capitalistas. Agora esses privilégios devem ser retirados (embora veremos até onde isso vai). Os super-ricos da Rússia (incluindo Putin) aumentaram enormemente sua riqueza durante a pandemia do COVID. Os bilionários da Rússia (gostamos de chamá-los de “oligarcas” no Ocidente) têm a maior parcela de riqueza no PIB de todas as principais economias capitalistas, seguidos de perto pela Suécia “social-democrata” e depois pelos EUA.

Como outros bilionários, os russos exportam e escondem sua riqueza em paraísos fiscais, em bancos complacentes na Suiça e em outros locais e também compram propriedades e ativos no exterior. Sua riqueza “offshore” é muito maior do que a de outros grupos bilionários.

As proibições de exportação e comércio, a suspensão de negociações com bancos selecionados e a retirada de alguns privilégios para os oligarcas russos terão pouco efeito sobre a Rússia. O comércio de energia deve continuar, com a Rússia ainda fornecendo 25-30% do suprimento de energia europeu. E a Rússia não depende mais de financiamento externo. O superávit em conta corrente da Rússia aumentou de menos de 2% do PIB em 2014 para cerca de 9% do PIB em 2021, deixando reservas substanciais de excesso de poupança que podem ser aproveitadas em caso de necessidade. O setor público mais amplo, incluindo o Banco Central da Rússia (CBR), o setor corporativo e o setor financeiro são credores externos líquidos. O CBR tem mais de US$ 630 bilhões em reservas, o suficiente para sustentar três quartos da oferta monetária doméstica, então não haveria necessidade de imprimir rublos para financiar a atividade econômica. Além disso, a Rússia tem um fundo soberano de US$ 250 bilhões, que, embora relativamente ilíquido, pode ser reduzido para reforçar o financiamento.
O governo e as empresas russas se prepararam para possíveis choques futuros, como perder o acesso ao dólar, e o uso do dólar em transações comerciais e financeiras já diminuiu drasticamente. O Ministério das Finanças já não detém quaisquer ativos discriminados em dólares no seu fundo petrolífero e o CBR também reduziu a quota de dólares nas suas reservas pela metade, para cerca de 20%, já que o euro e, em menor medida, o renminbi chinês, tornaram-se alternativas preferidas. Muitas empresas e bancos russos agora incluem rotineiramente cláusulas nos contratos que estipulam o uso de outra moeda para liquidação caso o dólar não possa ser usado. A Rússia também acelerou o uso de seus próprios cartões de pagamento, como o Mir, bem como seu próprio serviço de comunicação similar ao SWIFT, o System for Transfer of Financial Messages (SPFS). No entanto, ambos atualmente operam apenas no mercado interno, mantendo a vulnerabilidade para transações internacionais em outras moedas.
É por isso que os governos dos EUA e da Europa decidiram agora introduzir sanções muito mais sérias. Eles agora planejam expulsar os bancos russos do sistema de transações internacionais SWIFT e congelar os ativos do banco central russo. A sanção no SWIFT complicará drasticamente a capacidade dos bancos russos de realizar atividades internacionais. Eles serão forçados a usar acordos bilaterais com bancos “amigáveis” ou tecnologia antiga como fax. Mas isso também pode prejudicar o setor bancário e o comércio para a Europa, em particular, se o finaciador de energia russo Gazprombank também for removido do SWIFT (improvável).

A medida mais grave é a proposta de congelar os ativos em dólar do Banco Central russo. Isso nunca aconteceu com um estado membro do G20 antes. Apenas os BCs da Venezuela, Coreia do Norte e Irã sofreram esse destino. Se efetuado, isso significaria que as reservas cambiais russas em dólares não poderiam ser usadas para apoiar o rublo nos mercados internacionais de câmbio ou sustentar o financiamento doméstico em dólares dos bancos comerciais. O governo teria que depender do financiamento do rublo (e o rublo está despencando nos mercados monetários mundiais) e moedas não fiduciárias como o ouro.
A maioria das reservas cambiais da Rússia são mantidas em bancos centrais ocidentais. A Rússia tem cerca de 23% de suas reservas em ouro, mas não está claro onde isso é mantido fisicamente. Se essa sanção proposta for aplicada poderá prejudicar seriamente os fluxos monetários e o rublo russo, causando inflação acelerada e até corridas aos bancos.

Depois, há as sanções de “combustão lenta” ao acesso da Rússia a tecnologias-chave. Os EUA pretendem cortar a Rússia do fornecimento global de chips. A medida interrompe o fornecimento dos principais grupos dos EUA, como Intel e Nvidia. A Taiwan Semiconductor Manufacturing Company, maior fabricante de chips por contrato do mundo e que controla mais da metade do mercado global de chips feitos sob encomenda, também prometeu total conformidade com esses novos controles de exportação. A Rússia agora tem efetivamente negado o acesso a semicondutores de ponta e outras importações de tecnologia críticas para seu avanço militar. No entanto, é possível que empresas chinesas, especialmente aquelas que foram alvo de sanções dos EUA, ajudem a Rússia a contornar os controles de exportação. A Huawei poderia intervir para desenvolver o mercado russo de equipamentos de telecomunicações.
Em suma, a invasão da Ucrânia por Putin é uma grande aposta que, se não conseguir “neutralizar” a Ucrânia e forçar a OTAN a um acordo internacional, enfraquecerá seriamente a economia russa. E a Rússia não é uma superpotência, econômica ou politicamente. Sua riqueza total (incluindo mão de obra e recursos naturais) está muito abaixo em comparação com os EUA e o G7.

Em seguida ao colapso da União Soviética em 1990, Yeltsin e o governo pró-capitalista aceitaram as políticas de “terapia de choque” dos economistas ocidentais para privatizar ativos estatais e desmantelar os serviços públicos e o sistema de bem-estar. Uma pequena elite, principalmente ex-funcionários do governo soviético, conseguiu comprar volumosos ativos estatais em energia e minerais a baixo custo e por meio de suborno e banditismo. Surgiram os oligarcas da Rússia, juntamente com um regime cada vez mais autocrático personificado por Putin. O PIB da Rússia despencou e o padrão de vida médio caiu drasticamente. A economia capitalista russa acabou se recuperando com o boom global dos preços das commodities após 1998, mas em 2014 o crescimento médio anual do PIB da Rússia ainda era de apenas 1,0%.

A expectativa de vida na Rússia capitalista já foi superada pela China
E quando olhamos para o Índice de Desenvolvimento Humano do Banco Mundial, que mede as principais dimensões do desenvolvimento humano (uma vida longa e saudável, ter conhecimento e ter um padrão de vida decente), descobrimos que desde 1990 a Rússia teve um desempenho pior entre as principais economias emergentes e em comparação com a média mundial.

A economia russa é monossetorial, dependendo principalmente das exportações de energia e recursos naturais. Após um curto boom de preços de energia crescentes de 1998 a 2010, a economia basicamente estagnou. Embora a economia da Rússia seja maior do que era em 2014 em termos reais, a demanda doméstica final ainda está em seu nível anterior a 2014. E o crescimento acumulado do PIB neste período só foi positivo porque as exportações foram 17% maiores em termos reais em 2019 do que em 2014. O estoque de capital da Rússia ainda é menor em termos reais em relação a 1990, enquanto a rentabilidade média desse capital permanece muito baixa.

O Banco Mundial calcula que a taxa de crescimento real do PIB potencial de longo prazo para a Rússia é de apenas 1,8% ao ano – e mesmo isso é mais rápido do que o alcançado na última década. Esta guerra vai custar caro para a Rússia e seu povo. A Oxford Economics calcula que vai se reduzir para menos de 1% ao ano o crescimento real do PIB nos próximos anos. Se isso acontecer, basicamente a Rússia estará em recessão econômica por vários anos.

Claro, muito depende de como a guerra vai se desenrolar. Se Putin puder ganhar o controle da Ucrânia, isso abre riquezas significativas para serem exploradas. A Ucrânia é rica em recursos naturais, principalmente em depósitos minerais. Possui as maiores reservas mundiais de minério de ferro de qualidade comercial – 30 bilhões de toneladas de minério ou cerca de um quinto do total global. A Ucrânia ocupa o segundo lugar em termos de reservas conhecidas de gás natural na Europa, que hoje permanecem em grande parte inexploradas. A geografia predominantemente plana da Ucrânia e a composição do solo de alta qualidade fazem do país um grande ator agrícola regional. O país é o quinto maior exportador mundial de trigo e o maior exportador mundial de óleos de sementes como girassol e colza. Mineração de carvão, produtos químicos, produtos mecânicos (aeronaves, turbinas, locomotivas e tratores) e construção naval também são setores importantes da economia ucraniana.
Tudo isso ainda precisa ser totalmente explorado. A UE e os EUA também estão salivando com a perspectiva de obter esses recursos. Como mostrei no meu último post, o governo ucraniano planeja vender grandes extensões de terra para investidores estrangeiros e domésticos para que os desenvolvam. Isso poderia render enormes dividendos para qualquer poder que controle o país. De qualquer forma, uma vez que a guerra termine e depois que milhares tenham sido mortos ou feridos, o povo da Ucrânia verá pouco dos benefícios.
Traduzido por Luiz Souto
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