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RESULTADOS DO CESSAR-FOGO ISRAEL/EUA x IRÃ, A GUERRA NA UCRÂNIA E O ARMAMENTISMO DA OTAN

  • paraumnovocomeco
  • 11 de jul.
  • 7 min de leitura
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11/07/2025

Por Luiz Souto, incorporando debates realizados no PUNC (Para Um Novo Começo)


A guerra levada a cabo por Israel contra o Irã, com ação militar dos EUA em apoio, é mais um momento do processo de consolidação do poder israelense na região e do avanço da agenda colonialista sobre o povo palestino. Aproveitando a oportunidade criada pelo ataque do Hamas em 07/10/23, com mais de 1200 israelenses mortos e mais de 100 tomados como reféns, o governo Netanyahu agarrou a oportunidade para desencadear um massacre feroz sobre a faixa de Gaza, com ações e declarações genocidas justificadas como “necessidade de defesa”; ao mesmo tempo foi dada carta branca aos colonos israelenses na Cisjordânia para intensificarem a violência contra os palestinos, com criação de novo assentamentos ilegais e pogrons contra vilarejos. Com uma imprensa majoritariamente ufanista, sob censura militar continuada e a normalização de políticos fascistas como os ministros Itamar Ben Gvir e Bezaleh Smotrich, não é de se espantar que a sociedade israelense tenha experimentado uma deriva à direita: embora a maioria queira o fim da guerra para a volta dos reféns, também é majoritária a opinião de que é justificada a limpeza étnica da faixa de Gaza.


Não é possível dizer o quanto os ataques israelenses e estadunidenses afetaram o programa nuclear iraniano mas é possível afirmar que o Irã se encontra isolado no Oriente Médio. Desde o início da guerra em Gaza, Israel conseguiu neutralizar o Hezbollah no Líbano, e o Hamas na faixa de Gaza e, com a queda do governo Assad na Síria e os ataques que realizou contra as defesas antiaéreas sírias, esta deixou de ser um problema imediato. Com alguma capacidade de ação permanecem os Houthis no Iêmen, mas seus mísseis, embora perturbem o espaço aéreo, são militarmente inócuos. As monarquias do Golfo (Arábia Saudita, Emirados Árabes), tradicionais adversárias do Irã e aliadas dos EUA, se mantiveram à parte. Até o Catar, com quem o Irã mantém boas relações, protestou contra o ataque protocolar feito pelos iranianos à base estadunidense de El-Uaidi situada em território quatari.


Para os EUA, um Irã isolado e um Israel fortalecido são a garantia de que o Oriente Médio ficará sob sua esfera de influência sem maiores sobressaltos. O genocídio dos Palestinos, a limpeza étnica da faixa de Gaza e a incorporação da Cisjordânia à Israel são, para o imperialismo americano, um preço barato a ser pago, especialmente por ser com o sangue de outros.


Neste contexto chama a atenção um outro elemento neste isolamento iraniano, que foi a postura quietista da Rússia. Em meio à escalada de ataques israelenses o ministro das Relações Exteriores do Irã esteve em Moscou para obter apoio e de lá voltou com apenas a condenação verbal de Putin aos ataques mas sem qualquer envio de munições e, principalmente, sem a garantia de reposição dos sistemas antiaéreos (que são de fabricação russa). Esta postura russa aumentou as suposições de que uma troca da Ucrânia pelo Irã teria sido acertada por Putin e Trump. Como indícios é apontado que a humilhação pública de Zelensky na Casa Branca, em sua primeira visita à Trump, que foi amplamente comemorada pela mídia russa e, pouco após, o secretário de Defesa dos EUA deixou escapar em que a Ucrânia deveria abandonar a demanda de retorno da Criméia. Por outro lado, se a postura quietista de Putin em relação ao ataque israelo-estadunidense ao Irã é evidente, também é evidente que Putin não tem qualquer pressa em terminar a guerra da Ucrânia, tendo desde então ampliado o controle territorial russo sobre Donetsk, Lukhansk, Zhaporizhia e Kharkhiv.


A guerra na Ucrânia, que já completou três anos, é o maior conflito militar na Europa desde a 2ª Guerra Mundial e se constitui no ponto de inflexão da escalada militarista que se observa no mundo. Chamada de “operação militar especial” por ser inicialmente prevista para ter um desfecho rápido, com a queda do governo Zelensky e a tomada russa de parte do território ucraniano à leste do Dniepr, ela se transformou em uma guerra de atrito por procuração entre Rússia e a OTAN. Motivada pela crise do capitalismo russo, em busca de resolver seu problema de mão de obra e mercado interno, e embalada por uma ideologia chovinista grã-russa, a guerra não atendeu ao objetivo de enfraquecer a OTAN (que ganhou Suécia e Finlândia como novos membros e uma justificativa para aumentos orçamentários) mas deixou evidente que a Rússia não pode ser derrotada militarmente em uma guerra indireta.


A estratégia dos EUA e da União Européia para conseguir derrotar a Rússia, além do financiamento da Ucrânia, foi lançar mão de sanções econômicas generalizadas, a fim de sufocar a economia russa e colapsar o financiamento da guerra. Esta estratégia não obteve sucesso em virtude da capacidade russa de comerciar petróleo e gás com outros países (principalmente China e Índia), além de driblar as sanções com uso de transporte marítimo disfarçado e o uso de intermediários (como o Azerbaijão). Quanto ao fornecimento de bens, estes passaram a ser grandemente fornecidos pela China, além de produtos europeus que chegam via países da Ásia Central, como forma de burlar as proibições de importação. Não só a economia russa não colapsou como, ao contrário, houve um aumento das exportações russas tanto em volume quanto em valor. Aliado a isso houve o repatriamento de capitais russos no exterior atraídos pela oferta pelo governo das empresas estrangeiras que abandonaram a Rússia a preços convidativos, além do investimento na indústria ligada à guerra. Com isso, a Rússia está conseguindo manter seu esforço de guerra com seu investimento interno, sem necessidade de lançar mão de empréstimos.


Em nível interno o grande problema russo é a escassez de mão de obra, que já existia previamente, e se vê agravada pela necessidade de mobilização de soldados. No início da guerra, quando ela mostrou que iria durar mais que o planejado, aproximadamente 750.000 jovens, majoritariamente de classe média, com formação em TI, gestão e administração, deixaram a Rússia para fugir do alistamento obrigatório. Para suprir as necessidade o governo russo se viu obrigado a lançar mão da contratação de soldados, com salários atrativos, além da concessão de benefícios para compras de bens, etc… Com isso houve um aumento do salário médio dos trabalhadores russo, pois as empresas precisam competir pela mão de obra, com a contrapartida de um aumento na inflação. Esta situação, que se mantém sob controle durante a economia de guerra, imporá dificuldades importantes com o fim do conflito e a desmobilização e perda destes ganhos aumentados desta massa da população.


No lado europeu, o que se observa é um retorno ao discurso belicista que se acreditava enterrado desde o fim da Guerra Fria. Até a eleição de Trump havia uma divisão de tarefas entre UE e EUA no financiamento à Ucrânia: a maior parte do financiamento europeu ia para os gastos correntes de manutenção do Estado ucraniano enquanto o financiamento estadunidense predominantemente para armamentos. Importante assinalar que cerca de 70% deste financiamento estadunidense nem chegava a sair dos EUA, sendo repassado para as empresas armamentistas do país. A administração Trump assumiu com a política de exigir que o conjunto dos países da OTAN aumentem seus gastos no financiamento militar e estes já sinalizaram que aceitam esta exigência. Na recente reunião da OTAN foi decidido que os países têm a meta de aumentar seu financiamento militar para 5% do PIB até 2035 (a meta anterior de 2014 era de 2% e nem todos a alcançaram), sob o argumento de que precisam s defender da “ameaça russa”. Tendo em vista a disparidade da capacidade de produção e inovação tecnológica militar, o mais provável é que boa parte deste aumento de gastos seja abocanhado pelas indústrias estadunidenses.


Mas, se olharmos o contexto global do ponto de vista socioeconômico, esta deriva belicista traz consigo altos riscos de agravamento das contradições internas dos países de capitalismo central. Desde a crise econômica de 2008 a economia mundial apresenta-se em um agravamento da crise estrutural iniciada na década de 1970 e que ensejou a adoção do neoliberalismo como paradigma para superá-la. Como observou István Mészaros, ao definir que estamos em uma era de “crise estrutural do capital”, as crises econômicas tendem a ser mais frequentes, atingir mais setores econômicos e a recuperação pós-crise não é completa. É isto que vemos após 2008 e, em especial, desde a pandemia de Covid-19 sendo o agravamento causado pela invasão da Ucrânia um fator de aceleração da deterioração da economia global. Neste cenário, o aumento dos gastos militares em um contexto de crise prolongada do capital funcionará de forma contrária ao “keynesianismo militar” do período entre 1940/1960: com economias em contração haverá retirada de financiamentos de áreas de interesse social (saúde, educação, previdência social, etc..) para beneficiar os setores ligados à indústria bélica sem uma redistribuição de parte dos ganhos para investimentos sociais. Isto tenderá a configurar uma piora das condições devida dos assalariados, com aumento de gastos pessoais para compensar a perda causada pela retirada de políticas assistenciais.


Quanto aos países de capitalismo dependente, este cenário de nova corrida armamentista irá aumentar a busca por matérias-primas, com aumento de atividades mineradoras e extrativas, a secundarização ainda maior das metas de contenção das mudanças climáticas e um aumento dos conflitos regionais na disputa por recursos em um contexto de aumento de oferta de armamentos. As políticas anti-imigração levadas a cabo pelos EUA e pelos países europeus tenderão a aumentar a taxa de exploração sobre os trabalhadores imigrantes que permanecerem nestes países mas também tendem a levar a um “represamento” de potenciais imigrantes nos seus países de origem ou nos países de passagem. Como a perspectiva para os países de capitalismo periférico é de uma queda ainda maior do crescimento, aliado aos custos do endividamento externo em contexto de inflação global, a possibilidade de convulsões sociais aumenta grandemente.


Referências utilizadas para este texto:


1) Michael Roberts – Rusia-Ucrania: después de três años de guerra https://www.sinpermiso.info/textos/rusia-ucrania-despues-de-tres-anos-de-guerra


2) Ivan Bakalov – Más allá de la geopolítica: por qué la guerra em Ucrania es causada por el capitalismo em crisis ruso https://www.sinpermiso.info/textos/mas-alla-de-la-geopolitica-por-que-la-guerra-de-rusia-en-ucrania-es-causada-por-el-capitalismo-en


3) João Koatz Miragaya – A mídia israelense e a guerra em Gaza https://www.ladoesquerdo.com/post/a-m%C3%ADdia-israelense-e-a-guerra-em-gaza



5) Michael Roberts - De las Montañas Rocosas a Estocolmo: el G-7 ignora la crisis global https://www.sinpermiso.info/textos/de-las-montanas-rocosas-a-estocolmo-el-g-7-ignora-la-crisis-global


6) Edo Konrad - Los colonos israelíes creen que llegó su momento https://jacobinlat.com/2024/08/los-colonos-israelies-creen-que-llego-su-momento/

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