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RESENHA: MULHERES E CAÇA ÀS BRUXAS, DE SILVIA FREDERICI

  • paraumnovocomeco
  • 28 de fev. de 2021
  • 4 min de leitura

22/10/19


por Renata Bordoni


O livro Mulheres e caça às bruxas, de Silvia Frederici foi lançado recentemente pela Editora Boitempo que inclusive promoveu uma série de palestras com a autora e outras estudiosas da questão das mulheres, para divulgação e debate sobre os principais conceitos da obra. Seu esforço é um retorno e ao mesmo tempo uma atualização de Calibã e a Bruxa. Federici reconsidera as acusações de bruxaria, atentando-se a dois temas centrais. Primeiro, associa a caça às bruxas ao processo de cercamento e privatização de terras; Segundo, examina a relação entre a caça às bruxas e o controle estatal sobre a sexualidade, corpo feminino e a capacidade reprodutiva das mulheres. O retorno ao passado e a esse assunto tem como finalidade compreender as causas da violência contra as mulheres e a sua relação com as novas formas de acumulação capitalista. Sobre o cercamento de terras, há indícios a partir do século XV, e circunstâncias que demonstram a caça às bruxas como um fator determinante para expropriação de terras. Existem mapas dos julgamentos de bruxas e do cercamento de terras que coincidem. Segundo Silvia Federici, as mulheres mais velhas foram as mais afetadas. Perderam seus direitos consuetudinários viúvas e sem filhos para ajudá-las na produção. Se submetiam a pedir esmolas. A pobreza era uma acusação de bruxaria e as privações eram associadas ao diabo. Porém a pobreza não era a causa imediata das acusações. As mulheres que resistiam e enfrentavam a exclusão social e os olhares reprovadores, também eram acusadas. Um outro fator para acusação de bruxaria era a independência econômica. Qualquer afirmação de independência ia contra a conduta do modelo de feminilidade e de reorganização familiar da época. Uma outra forma de minar a possibilidade de resistência entre as mulheres foi colocar umas contra as outras, criar um sentimento de rivalidade, desconfiança e suspeita entre elas. Um exemplo que Silvia Frederici cita na obra, é a mudança de significado da palavra “gossip” (atualmente traduzida como fofoca). Historicamente a expressão era usada para amigas próximas, mas ao longo do tempo o termo passou a ter significado maldoso que desmerece e futiliza o diálogo que havia entre as mulheres. Na segunda parte do livro, a análise da autora vai partir das formas de caça às bruxas da nossa época, de como a globalização e a acumulação de capital intensificou a violência contra as mulheres, dessa vez ainda mais brutal e pública, e como estão sendo criadas estratégias de resistência. Importante esclarecer que a violência contra as mulheres não desapareceu com a caça às bruxas, muito menos com a abolição da escravidão, pelo contrário, ela foi normalizada, segundo a autora. Na década de 20 por exemplo, promiscuidade feminina era punida com internação em clínicas psiquiátricas ou esterilização. Até os anos 60, a esterilização de mulheres pobres e pertencentes a grupos étnicos minoritários eram comuns tanto no Norte quanto no Sul. Nos anos 50, cirurgia de lobotomia eram realizadas em mulheres que supostamente tinham depressão. Recomendava-se essa prática cirúrgica em mulheres que estavam destinadas ao trabalho doméstico, que supostamente não precisariam de cérebro para a realização de tais atividades. A violência contra a mulher sempre esteve presente na família. Os homens com seu poder financeiro, conquistaram o poder de supervisionar o trabalho não-remunerado das mulheres, usando-as como escravas. Por isso durante muito tempo a violência doméstica não era considerada crime. Hoje o que presenciamos é um ataque brutal às mulheres afrodescendentes e indígenas, porque a globalização é um processo de recolonização, de extração, e nesse contexto as mulheres são as mais atingidas. Não é por acaso que a violência contra as mulheres têm sido mais intensa na África Subsaariana, na América Latina e no Sudeste Asiático, as regiões mais ricas em recursos naturais do mundo. Na África e na Índia por exemplo, as mulheres tinham acesso a terras comunais e viviam da agricultura de subsistência, porém essas terras começaram a ser alvo de críticas por parte do Banco Mundial, considerando “patrimônio morto”, uma das causas da pobreza. Assim, as mulheres eram forçadas a deixar a agricultura de subsistência, para trabalhar como ajudantes do marido na produção de matérias primas. Na Índia ocorre o retorno do “sati”, uma prática em algumas comunidades hindus, onde a viúva se joga para ser cremada junto ao esposo, sendo queimada viva. Essa prática que deveria ser voluntária foi proibida na Índia, porém existem vários registros de mulheres que eram jogadas, obrigadas pela família do marido a realizar tal prática. Na África as perseguições se intensificaram na década de 90. Os números disponíveis não refletem a gravidade do problema, pois muitos casos ficavam impunes e não eram registrados. Mas no norte de Gana, 3 mil mulheres foram exiladas por acusação de bruxaria. Houve e ainda há mortes brutais também no sudoeste do Quênia, na África do Sul (após o Apartheid), Camarões, Tanzânia, República Democrática do Congo e Uganda. Entre 1991 e 2001, foram registradas 23 mil assassinatos de “bruxas” na África. Com exceção do governo da África do Sul, nenhum dos governos investigaram os assassinatos. Os movimentos feministas não se manifestaram abertamente sobre o assunto, com medo de que a caça às bruxas incentive a construção de estereótipos da população africana, como atrasados, irracionais, entre outros. Vale ressaltar que, a perseguição às bruxas foi ainda mais instigada pela proliferação de seitas fundamentalistas cristãs, associando as curandeiras ao diabo. Essas acusações de bruxaria, são um mecanismo de alienação, à medida que torna a acusada responsável pelo mal na terra, a personificação do diabo. Tais medidas foram responsáveis por dividir as mulheres, aceitar o lugar subalterno que era designado na sociedade capitalista, destruição das relações comunitárias e uma intensificação na exploração do corpo e da mão de obra da mulher. De modo geral, Silvia Frederici define que, a nova violência contra as mulheres tem sua origem nas estruturas do desenvolvimento capitalista e no poder do estado em todas as épocas. O livro é mais uma grande contribuição de dessa autora imprescindível. Como tal merece ser lido, estudado, debatido, para compreendermos as forças e a dinâmica social responsável pela “caça às bruxas” da atualidade e assim lutar com maior eficácia pela sua erradicação.


Renata Bordoni é Professora de Sociologia da Rede Pública Estadual de São Paulo e integrante do “Para Um Novo Começo” – Centro Político Marxista.



 
 
 

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