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REESTRUTURAÇÃO ECONÔMICA, CURRÍCULO EMPRESARIAL, AVANÇO DE PLATAFORMAS DIGITAIS NA EDUCAÇÃO PÚBLICA

  • paraumnovocomeco
  • 9 de nov. de 2023
  • 6 min de leitura

Claudio Luiz Alves de Santana [1]

08/11/2023

Foto: APP - Sindicato



Procurarei nesse breve texto demostrar que estamos vivenciando um crescente aprofundamento dos interesses empresariais/capitalistas na educação pública. Trata-se de uma ingerência em todos os níveis da educação, com implicações no plano didático-pedagógico, na medida em que introduz nas redes de ensino público um currículo empresarial.


A princípio, destaco quatro razões: (1) a reestruturação econômica no contexto atual do capitalismo em crise, em que se depara com esgotamento de determinados espaços de lucratividade e a partir disso, passou a buscar novos nichos de geração e produção de lucros, neste caso, mercado educacional, tornou-se um desses espaços e o processo de desindustrialização pelo qual passa o nosso país; (2) a formação de mão de obra precarizada e intermitente, vitimizadas pelo desemprego conjuntural e estrutural; (3) formação de mão de obra e geração de conhecimento científico que atenda as atividades econômicas de maior destaque no momento econômico do país e (4) o interesse ideológico.


Reestruturação econômica, a consolidação de um país exportador de comodities, avanço das plataformas digitais na educação e interesses políticos ideológicos.


O Brasil passa por um processo de desindustrialização e de consolidação do seu papel de exportador de comodities. Isso se aprofundou nos últimos anos, pois, priorizou-se “[...] o setor agrícola para exportação de alimento, minério e energia. De 2013 a 2019, o país perdeu 28.700 indústrias e 1,4 milhão de postos de trabalho no setor”. (OLIVEIRA, 2021)


Aliado a isso, temos a emergência das plataformas digitais de compra e venda, de transporte de passageiros e de mercadorias e, o rebaixamento do papel do Brasil nas cadeias de produção mundializadas, com impactos na produção de pesquisa, ciência e tecnologia e, que também tem gerado profundos impactos na educação como um todo.

Na educação básica, além das plataformas, avança a digitalização dos conteúdos, direcionando o que deve ser ensinado e o que deve ser aprendido.


Isso se deve, pois:

A Plataformização da Educação é parte de um fenômeno mais geral das relações entre tecnologia e sociedade. Tecnologia e finanças. Tecnologia e trabalho. E no âmbito cruzado destas relações, foram entrando em nosso cotidiano no final da década passada - e de forma mais intensa na Pandemia e no Pós-Pandemia, misturando uma necessidade emergencial com um difuso discurso de modernidade tecnológica presente na atual sociedade capitalista. (PESSANHA, 2023)


PESSANHA continua nos dizendo que:

Portanto, entendo que não se deve olhar para o processo de Plataformização da Educação, sem deixar de observar todo esse contexto em que estamos vivendo no mundo contemporâneo. O fenômeno mais geral da plataformização deve ser visto como um fenômeno que se desenvolve e deve ser observado de forma multidimensional e transescalar nas dimensões: econômica, inovação tecnológica (C&T); trabalho; espacial (geoeconômica e geopolítica); política, cultural, das redes social-comunitárias onde se inclui o setor da educação etc. (Ibidem)


O quadro abaixo, elaborado pelo referido autor ilustra bem isto.



Nesse sentido, verificamos que no caso brasileiro, a BNCC, Reforma do Ensino Médio e a Reforma Trabalhista, são parte de um mesmo contexto político, econômico e social, iniciado em 2016.


Como as escolas, sobretudo, as públicas são vistas apenas como meras formadoras de mão de obra para as atividades econômicas em voga, os sistemas de ensino são pressionados para atender tal finalidade, além de cumprirem o papel de controle e contenção social.


Além disso,

Cada uma das empresas que compõe o TPE defende a Reforma e os programas de ensino integral não só porque comandam a política educacional, mas também porque cada um dos elementos que compõe o Novo Ensino Médio (NEM) corresponde a um nicho de atuação em negócios de impacto social e das estratégias ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança) empresariais. (CATINI, 2023)


Ou seja, além de assistirmos um empobrecimento, uma fragmentação e a superficialização dos saberes e conhecimentos trabalhados em sala de aula, promovidos pelo currículo empresarial, a educação pública tornou-se um no espaço de lucratividade.


As modificações “[...] no Ensino Médio em 2016 reforçaram ainda mais a fragmentação e a precariedade que vieram junto de processos de terceirizações, privatizações, sociabilidades estremecidas em termos familiares, geracionais e comunitários.” (PESSANHA, 2023)


Isso se deve, pelo fato de que “[...] as classes dominantes têm ideais muito distintos dos da classe dominada, como ainda tentam fazer com que a massa laboriosa aceite a desigualdade imposta pela natureza das coisas, uma desigualdade, portanto, contra qual seria loucura rebelar-se”. (PONCE, 2001, p.36)


A crescente ingerência empresarial na educação pública


Corazza (2016, p. s142) identificou esse movimento por parte dos capitalistas no contexto de formulação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Segundo a autora, “a Base interessa ao grande capital, empenhada em submeter a educação” sob a égide dos interesses mercantilistas e privatistas.


Incluo nisso, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o Novo Ensino Médio (NEM).


De acordo com Pinhão e Martins:

A ênfase na economia do conhecimento como suporte para a ampliação de temas científicos e tecnológicos no currículo de ciências se relaciona com o modo mais recente de expansão do capitalismo, chamado de acumulação flexível. (PINHÃO e MARTINS, 2016, p.11)


A imagem abaixo, nos mostra muito bem que há uma rede de empresas e bancos, com os seus institutos que atuam no Todos Pela Educação (TPE), influente ONG/rede de empresários, que influencia e intervém nas políticas educacionais adotadas nas redes de ensino público.



Fonte: CATINI, 2023.


Na imagem acima, “[...] o tamanho dos logos diz respeito aos diferentes níveis de investimento de cada empresa no Todos Pela Educação, o que corresponde ao poder de voto dos processos de decisão dos rumos da educação nacional.” (Ibidem)


Ainda, de acordo com Catini (2023):

Em seu site, enfatiza-se que o TPE não recebe investimentos estatais, – “somos financiados por recursos privados, não recebendo nenhum tipo de verba pública” –, o que lhes garante, em suas palavras, “a independência necessária”. Não obstante, omite-se o fato de que cada uma das empresas que o compõe capta recursos estatais por meio de isenções fiscais, de parcerias, convênios com escolas, redes de ensino, secretarias e diretorias de educação para prestações de serviço, projetos e programas. (Ibidem)


Mas, a atuação do TPE junto as redes de ensino público mostram o contrário.

Sua atuação combina alteração das grandes linhas da política educacional com atuação prática numa imensa rede de projetos e programas capilarizados na educação formal e não formal. É ascendente a curva da transferência de renda estatal para o desenvolvimento de programas privados com efeitos questionáveis para produção da qualidade educacional, que envolve a privatização de diversas dimensões da relação educativa. (Ibidem)


Além do Todos Pela Educação (TPE), destaca-se o Instituto Airton Senna – que rompeu com o Todos Pela Educação – retroalimentado com recursos estatais e que possui “[...] seu fundo patrimonial próprio. Esse patrimônio em dinheiro é investido em títulos empresariais e seus rendimentos financiam projetos sociais.” (Ibidem)


Vejam a imagem a seguir, com as inúmeras empresas e bancos que atuam em conjunto com o Instituto Airton Senna.


Fonte: CATINI,2023


Considerações finais


A partir da clareza e do entendimento de que a educação pública se tornou um espaço de lucratividade, com o predomínio de interesses políticos ideológicos capitalistas dominantes, devemos buscar uma ação combinada envolvendo os pais, alunos, movimentos sociais, educadores de escolas públicas e das universidades, no sentido de fazer com que o os saberes escolares, sejam construídos e desenvolvidos de modo crítico, reflexivo e com um caráter emancipatório.


Freire, pode nos municiar nesse sentido pois,

[...] defendia que a educação fosse metodologicamente desenvolvida através da problematização do homem em suas relações com o mundo e com outros homens como forma de aprofundamento acerca do contexto sociocultural e político econômico. (Arelaro e Cabral, 2018, p.

46)

Ainda, em base a Freire:

Esse tripé, constituído por realidade vivida (saberes do sujeito) – problematização (dos saberes e realidade vivida) – e a realidade desejada (novos saberes e práticas construídos), permitiria ao educando uma tomada de consciência sobre o mundo circundante.

(Ibidem)


Dessa forma, essa ação transformadora, deve se dar a partir do chão da

escola, ou seja, da nossa realidade vivida.


[1] Professor de Geografia nas redes públicas estadual e municipal de São Paulo. Ex-diretor da APEOESP (Sindicato dos professores da rede pública estadual de São Paulo).


Referências bibliográficas:


ARELARO, Lisete Regina Gomes e CABRAL, Maria Regina Martins. A atualidade de um pensamento dialógico. Paulo Freire: a educação como ato político. Tradução. São Paulo: Segmento, 2018.

BAUMGARTEN, M. Geopolítica do conhecimento e da informação: semiperiferia estratégias de desenvolvimento. Liinc em Revista, v.3, n.1, março 2007, Rio de Janeiro, p. 16-32.

CATINI, C. A reforma do ensino médio e a “nova geração de negócios”. Disponível em:

CORAZZA, S. M. Base Nacional Comum Curricular: apontamentos crítico-clínicos e um trampolim.

Educação, Revista Quadrimestral. Porto Alegre, v. 39, n. esp. (supl.), s135-s144, dez. 2016.

FREITAS, Luiz Carlos de. Os reformadores empresariais da educação: da desmoralização do magistério à destruição do sistema público de educação. Educ. Soc., Campinas, v. 33, n. 119, p. 379-404, abr.-jun. 2012.

PESSANHA, R, M. Plataformização da Educação: um debate necessário!

https://www.brasil247.com/blog/plataformizacao-da-educacao-um-debate-necessario.

06/10/2023.

OLIVEIRA, R. “Vamos virar uma grande fazenda”: Brasil vive acelerada desindustrialização. Disponível em: https://brasil.elpais.com/economia/20211207/o-brasil-vai-virar-uma-grande-fazenda-um-pais-em-acelerada-desindustrializacao.html. Acesso em: 14/03/2023.

PINHÃO, F. e MARTINS, I. Cidadania e Ensino de Ciências: Questões para o Debate. Revista Ensaio, Belo Horizonte, v.18, n. 3, p.9-29, set-dez 2016.

PONCE, A. Educação e luta de classe. São Paulo: Cortez Editora e Autores Associados, 18a ed., 2001.















 
 
 

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