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PRECARIZAÇÃO E MERCANTILIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO PÚBLICA EM TEMPOS DE PANDEMIA

  • paraumnovocomeco
  • 18 de abr. de 2021
  • 9 min de leitura

18/04/2021

Por Claudio Santana e Luciana Ribeiro











Após um ano de suspensão das atividades escolares na forma presencial, devido às condições sanitárias impostas pela pandemia do Covid-19, ficou evidente a todes nós, as lacunas históricas presentes na política educacional brasileira e suas contradições existentes em todos os níveis, desde educação básica até o ensino superior.

O sistema capitalista, através do seu Estado, tem reforçado de forma contínua um projeto de manutenção dos privilégios da classe dominante, combatendo simultaneamente as ações que ameaçam seu poder na sociedade.

Procuraremos neste artigo contribuir para a identificação de algumas tendências que já estavam em curso no seio da política educacional brasileira e que se acentuaram durante a pandemia.

Como se manifestam os interesses capitalistas na educação pública O momento atual, de crise estrutural do capital, vemos o esgotamento de determinados espaços de lucratividade do capitalismo. Com isso, o capital e seus agentes passam a buscar novos nichos de produção e geração de lucros. A educação pública tornou-se um desses espaços, conformando, dessa forma, uma espécie de mercado educacional para além do ensino privado.

Também identificamos o interesse ideológico por trás dessa ingerência capitalista na educação pública. A elite brasileira e os setores dominantes do capital, procuram manter a sua situação de classe dominante e prevenir-se de qualquer retaliação e rebelião por parte dos de baixo, os trabalhadores. Ponce (2000), nos mostra bem como isto funciona.

“Para ser eficaz, toda educação imposta pelas classes proprietárias devem cumprir a três finalidades essenciais seguintes: 1º destruir os vestígios de qualquer tradição inimiga, 2º consolidar e ampliar a sua própria situação de classe dominante, e 3º prevenir uma possível rebelião das classes dominadas. No plano da educação, a classe dominante opera, assim, em três frentes distintas, e ainda que cada uma dessas frentes exija uma atenção desigual segundo as épocas, a classe dominante não as esquece nunca”. (Ponce, 2000, p. 36)

Introduz-se no sistema educacional brasileiro, essa lógica a partir de uma formação para um mundo do trabalho que não humaniza e que prepara para a submissão, e, que conduz os alunos, de um modo geral, para o conformismo e para a obediência hierárquica da sociedade de classes.

É por conta disso que os procedimentos de aprendizagem são padronizados e direcionados apenas para o conhecimento que serve às empresas e à manutenção da ordem do capital e, qualquer prática pedagógica crítica, que questione esses referenciais capitalistas dominantes, são combatidos pelos agentes dos governos que estão a serviço desses interesses, desde as secretarias de Educação até as equipes gestoras nas escolas e reitorias das universidades.

Conforme aponta Freire (1984, p.89) “Seria realmente uma ingenuidade, que só os “inocentes” podem ter, esperar que as classes dominantes pusessem em prática um tipo de educação que as desvelassem mais do que as contradições em que se acham envolvidas já o fazem.”

Nesse momento, em nosso país, o Estado brasileiro – com a maioria dos governos municipais, estaduais e, sobretudo, o governo Bolsonaro – utiliza-se de seu aparto ideológico e de todo o seu arcabouço jurídico, policial e militar, para encobrir e dar respaldo a esses interesses empresariais, passando a ser o aplicador do projeto educacional e garantidor dos negócios do capital na educação pública. Desse modo, vemos que:

“À escola, agora, cabe formar para a cidadania (obediente e rebelde), para o trabalho flexível formal e precário (o empreendedor) e, atendendo as necessidades da acumulação rentista, para o consumo de massa (consumidores). As diretrizes curriculares e os resultados da educação brasileira serão auferidos em função das metas definidas por estas novas necessidades e configurações da acumulação capitalista.” (Filho, Antunes & Couto, 2020, p.21)

Desigualdade social, exclusão digital e precarização do ensino público durante a pandemia

A homologação na Portaria Nº 343, DE 17 DE MARÇO DE 2020 declarou a suspensão das atividades presenciais nas instituições de ensino, que no contexto da pandemia é fundamental. Contudo, essa portaria veio acompanhada de uma total falta de organização por parte do governo Bolsonaro. Não houve uma preocupação com o modo que seria implantado o ensino remoto nas instituições públicas, especialmente na educação básica. Questões importantes, por exemplo: Como as secretarias estaduais e municipais deveriam organizar-se para atender às necessidades emergenciais de seus estudantes? Como os professores iriam adequar-se à nova forma de trabalho a partir dessa nova realidade? Quais ações o Estado assumiria para suprir as dificuldades enfrentadas pelos estudantes em relação ao acesso aos conteúdos escolares neste momento?

As contradições existentes na educação no modelo de sociedade atual desnudaram-se diante da sociedade, aquilo que o Estado brasileiro e o sistema capitalista tentam ou tentaram omitir.

Uma dessas contradições, está relacionada à exclusão digital, resultado da desigualdade social.

De acordo com Grossi, Costa e Santos (2013), “a desigualdade social favorece a exclusão digital e, esta por sua vez reforça a desigualdade social, é preciso uma nova postura e um novo olhar por parte do governo para diminuir o quadro perverso da desigualdade brasileira”. (Grossi, Costa & Santos, 2013, p.71). Em relação ao acesso à internet, Souza & Guimarães (2020) apontam com base na pesquisa TIC Domicílios que:

“Mesmo antes da pandemia, a imensa desigualdade no acesso à internet já era objeto de estudo de inúmeras pesquisas, como a TIC Domicílios, divulgada em 2019, e que já apontava que, apesar de 70% dos lares brasileiros, localizados em áreas urbanas, terem acesso à internet, o mesmo apresentava grandes disparidades. A análise por classe social, por exemplo, revelou que, entre os mais ricos (classes A e B), 96,5% das casas têm sinal de internet; ao passo que nos patamares mais baixos da pirâmide (classes D e E), esse índice cai para 59%. Além disso, entre a população cuja renda familiar é inferior a 1 salário mínimo, 78% das pessoas com acesso à internet usam exclusivamente o celular.” (Souza & Guimarães 2020, p. 285)

Uma outra contradição importante, diz respeito ao acesso à tecnologia digital. Isso nos preocupa, por um lado, pois transforma massivamente as nossas crianças, jovens e adolescentes, assim como a população de um modo geral, em consumidora das redes sociais, que possibilitam o fortalecimento de ofertas de produtos e todo tipo de alienação e, por outro lado, os professores, por exemplo, “pressionados de forma contínua a fazerem o uso do Google Classroom, cujos dados não podem ser sequer deletados uma vez inseridos no aplicativo, quem detém a autonomia pedagógica: o docente? O Google? O Estado?” (Idem, 2020, p.27)

Por essa razão, “hoje nos EUA, associações de pais se colocam na linha de frente contra a influência destas corporações na política de educação estadunidense (Ravitch, 2020). Seja para não permitir o acesso destes grandes grupos empresariais aos dados digitais privados de seus filhos, seja para evitar a proliferação dos impactos que a exposição prolongada às telas de computadores, tablets e celulares causa aos jovens como o aumento progressivo de sintomas de insônia e depressão (Freitas, 2018)”. (Idem, 2020, p.27)

É fundamental uma análise sobre a política adotada pelo governo brasileiro e os interesses neoliberais com a inserção da modalidade de ensino remoto nas escolas públicas.

É perceptível a intencionalidade de ofertar um serviço ainda mais precário para a maioria da população que depende essencialmente das instituições públicas de ensino como meio de acesso ao conhecimento escolar para seus filhos. Neste contexto, o que ocorreu foram iniciativas isoladas, onde estados e municípios buscaram implantar alternativas para atender as demandas regionais.

Os problemas acentuados no momento da pandemia decorrem em função de um projeto, que vai desde a ausência de condições adequadas para os estudantes de acessarem as aulas e conteúdos on-line, ausência de formação inicial para os professores trabalharem com as plataformas digitais, excesso de atividades atribuídas aos professores, inexistência de recursos tecnológicos e financeiros por parte do Estado para o desenvolvimento de um trabalho de melhor qualidade.

Sobre às mídias digitais, acreditamos que esta “(...) tecnologia seja utilizada na melhoria da qualidade de vida das pessoas, e não no aprendizado da informática isoladamente. Algumas sugestões neste sentido são o uso da tecnologia para solução de problemas básicos: saúde, saneamento, meio ambiente; formação de redes cooperativas entre pessoas com o uso da tecnologia; produção e circulação de informações locais, como jornais e outros veículos de comunicação comunitários; registro e difusão da cultura local por meio das tecnologias, entre outros.” (Assumpção e Mori apud Grossi, Costa & Santos, 2013, p.71)

A ROTINA DESGASTANTE DOS EDUCADORES E A DIMINUIÇÃO DE VERBAS PARA A EDUCAÇÃO PÚBLICA

O home-office trouxe um aumento considerável da carga horária do trabalho docente, as atividades didáticas passaram a ser compostas por elaboração de atividades impressas, atendimento dos alunos por plataformas digitais e pelo Whatsapp, gravações de vídeos e extensas horas de formações pedagógicas e de pesquisa.

Com o trabalho mediado pelas plataformas digitais os professores sofrem o controle do tempo configurando uma verdadeira “mais-valia relativa” e também a apropriação de conteúdos produzidos. Além disso, os trabalhadores passaram a custear com seu próprio salário as despesas com recursos tecnológicos, pacotes de internet, energia elétrica. Inclusive em alguns casos, ocorreram cortes nas gratificações, como, por exemplo, o auxílio transporte.

Associado à pressão psicológica devido ao aumento de casos de vítimas do Coronavírus, os professores, ainda têm enfrentado vários ataques realizados pelo governo Bolsonaro, pela maioria dos governadores e prefeitos alinhados a política educacional do governo federal, que tentam manipular a opinião pública, pressionando para o retorno das aulas presenciais, mesmo em condições sanitárias desfavoráveis.

Outra questão que tem chamado atenção são as pautas de cortes orçamentários que vem acontecendo.

Segundo o ANDES-SN, Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior, "o orçamento destinado à Educação sofreu corte de 27% em relação ao ano passado, ficando em R$74,56 bilhões. A área de Ciência e Tecnologia sofreu corte ainda maior, com diminuição de 28,7% em relação aos recursos executados em 2020, ficando com apenas R $8,36 bilhões.”

Com base em dados da Auditoria Cidadã da Dívida, em um estudo publicado em janeiro de 2021, nos mostra que essa escalada de retirada de verbas da educação pública segue uma lógica de em curso de anos anteriores à pandemia.

O valor nominal gasto na educação em 2019, foi da ordem de R$ 94,47 bilhões, o que equivaleu 3,48% dor Orçamento. Em 2020, o valor nominal caiu para R$ 88,08 bilhões, o que correspondeu a 2,49% do Orçamento total do ano passado, correspondendo a um decréscimo de – R$ 6,39 bilhões, o equivalente a – 6,76%.

Esses cortes se deram com um crescimento significativo do Orçamento Federal no Orçamento de 2020, se comparado com 2019. “Orçamento Federal Executado em 2019, no total de R$ 2,711 trilhões, e em 2020, no total de R$ 3,535 trilhões”.

Percebe-se que, as ações do governo Bolsonaro e a conivência existente da maioria dos parlamentares com seu projeto político, é jogar para os profissionais da educação a responsabilidade sobre o funcionamento do sistema educacional público cada vez mais precário e insuficiente às nossas necessidades, eximindo o Estado brasileiro de sua função frente aos problemas de cada rede ou etapa do ensino público.

A crise causada pela pandemia e a agressividade do capital, de cunho ideológico e em busca de novos espaços de lucratividade, a partir do seu projeto neoliberal – em alguns casos, ultraliberal – e o desinteresse do governo Bolsonaro sobre questões que atingem diretamente a vida da classe trabalhadora, exige dos movimentos sociais, ações práticas, contra hegemônicas, em defesa dos direitos sociais historicamente conquistados e dos serviços públicos essenciais à nossa vida – educação, saúde, moradia, entre outros.

É por isso que a defesa da educação pública emancipadora, universal e laica para a classe trabalhadora deve ser incluída como uma das principais bandeiras de luta dos movimentos sociais de esquerda e progressistas. Esses movimentos têm como tarefa desvelar para a população brasileira que os problemas socioeconômicos enfrentados na atualidade, não podem ser compreendidos como um impacto específico gerado pela pandemia, mas como parte do processo contínuo da estrutura do capital.

REFERÊNCIAS: A privatização da educação através das plataformas de ensino remoto. Entrevista especial com Marcos Dantas. Instituo Humanitas Unisinos. Disponível em: https://contee.org.br/a-privatizacao-da-educacao-atraves.../. Acesso em: 08/04/2021.

ASSUNÇÃO, Clara. Bolsonaro veta projeto que garantia internet gratuita a alunos e professores de escolas públicas. Rede Brasil Atual. Disponível em: https://www.redebrasilatual.com.br/.../bolsonaro-veta.../. Acesso em: 08/04/2021.

BRASIL, MEC. Portaria Nº 343, de17 de Março de 2020. Dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia do Novo Coronavírus - COVID-19. Disponível em: https://abmes.org.br/.../Portaria-mec-343-2020-03-17.pdf. Acesso em: 08/04/2021.

Congresso aprova orçamento de 2021 com cortes para Ciência, Tecnologia, Saúde e Educação. Disponível em: https://www.andes.org.br/.../congresso-aprova-orcamento... para-ciencia-tecnologia-saude-e-educacao1. Acesso em: 08/04/2021.

FATTORELLI, Maria Lucia, ÁVILA, Rodrigo & Muller, Rafael. Gastos com a dívida pública cresceram 33% em 2020. Auditoria Cidadã da Divida. Disponível em: https://auditoriacidada.org.br/.../gastos-com-a-divida.../. Acesso em: 08/04/2021.

FILHO, Astrogildo Luiz de França, ANTUNES, Charlles da & COUTO, Marcos Antônio Campos. Alguns apontamentos para uma crítica da educação a distância (EaD) na educação brasileira em tempos de pandemia. Rev. Tamoios, São Gonçalo (RJ), ano 16, n. 1, Especial COVID-19, p. 16-31, maio 2020.

FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. 5ª ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra. 1981. GOMES, Rodrigo. Professores sobre decreto de Doria para forçar volta às aulas em semana com 4.336 mortes: ‘escárnio’. Rede Brasil Atual. Disponível em: https://www.redebrasilatual.com.br/.../professores-sobre.../. Acesso em: 08/04/2021.

GROSSI, Márcia Gorett Ribeiro, COSTA, José Wilson da & SANTOS, Ademir José dos. A exclusão digital: o reflexo da desigualdade social no Brasil. Nuances: estudos sobre Educação, Presidente Prudente, SP, v. 24, n. 2, p. 68-85, maio/ago. 2013.

PONCE, Anibal. Educação e luta de classes. 17ª ed. São Paulo, Cortez. 2000.

SOUZA, Marcelo Nogueira de & GUIMARÃES, Lislaine Mara da Silva. Vulnerabilidade social e exclusão digital em tempos de pandemia: uma análise da desigualdade de acesso à internet na periferia de Curitiba. Revista Interinstitucional Artes de Educar. Rio de Janeiro, V. 6 - N. Especial II – p. 284-302 (jun - out 2020).


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