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PERSPECTIVAS 2022: UM ANO DE CONTRADIÇÕES, UM ANO DE LUTAS

  • paraumnovocomeco
  • 2 de jan. de 2022
  • 9 min de leitura

02/01/22


L. Barrett - Fading Dialectic


Desde 2020 a popularidade bem como o apoio de setores da burguesia brasileira ao governo Bolsonaro vêm em queda progressiva. Em relação à população, a gestão criminosa da pandemia, a incapacidade de promover medidas de proteção da renda e do emprego, o retorno da inflação, a fome disseminada, erodiram a popularidade do governo mesmo entre os segmentos que o apoiaram majoritariamente em 2018, como parcela dos evangélicos. Em relação aos setores da burguesia, a incapacidade de gestão adequada da máquina do Estado, a desastrosa política externa, levando a um isolamento internacional, a incompetência na gestão da política econômica levaram à busca de uma alternativa de direita mais confiável para levar adiante a agenda do capital. Some-se a isso todas as denúncias de corrupção envolvendo não só o presidente, mas também os filhos e aliados próximos.

Por todos estes fatores, o governo Bolsonaro é um governo fraco, cuja permanência no poder deve-se ao fato de que as ações de governo foram assumidas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, com o fisiológico presidente da Câmara Artur Lira no comando geral, em uma capitulação perante o Centrão onde o governo entra com as verbas bilionárias e a Câmara e o Senado fazem a distribuição entre os parlamentares via um orçamento secreto. É através desta compra de apoio parlamentar que esse governo incompetente é blindado de ser derrubado via impeachment (para o qual evidências de crimes de responsabilidade não faltam), para evitar que turbulência política atrapalhe a implementação da agenda predatória do capital contra os trabalhadores, contra o meio ambiente e contra a soberania nacional. Para garantir que não ocorram sobressaltos, tanto o STF quanto a AGU agem para evitar que Bolsonaro venha a ser criminalizado enquanto estiver no Planalto.

Mas, se este governo responsável por inúmeros crimes contra seu próprio povo, é considerado digno de ser mantido para não atrapalhar a marcha dos interesses do capital, por outro lado, a sua recondução via reeleição em 2022 não encontra consenso junto àburguesia brasileira. Em 2018, Bolsonaro não era a opção preferencial da burguesia para ocupar a presidência, mas perante o naufrágio das demais candidaturas de direita, do crescimento de sua popularidade via discurso antipolítico e uso estratégico das mídias sociais e da benção das Forças Armadas, foi nele que as fichas foram colocadas. Agora, em 2021, este governo já demonstrou claramente que não tem quadros capazes de gerir adequadamente a máquina estatal dentro do que o interesse da burguesia exige, que a “ala militar” e a “ala econômica” são tão incompetentes e ideologicamente orientadas quanto a “ala ideológica” e que se cobriu de crimes na condução da pandemia que colocam todos os seus integrantes (com ou sem farda) como passíveis de serem acusados formalmente de crimes contra a humanidade.

O marco deste descolamento de parcela da burguesia de seu governo de ocasião, foi a realização da CPI da Pandemia, expondo a gestão criminosa da pandemia e demonstrando que foi implementada uma política deliberada e ideologicamente orientada de permitir a disseminação do vírus pelo país. Por outro lado, a não confrontação da gestão militar da pandemia, apesar de todas as evidências, colocando os holofotes apenas no bode expiatório óbvio (o general ministro Eduardo Pazuello) mas deixando de lado o coordenador geral do enfrentamento da pandemia, o então ministro da Casa Civil e hoje Ministro da Defesa, Gen. Braga Netto, mostra claramente que o poder militar não será confrontado. A ausência de denúncia da condução da pandemia junto às populações indígenas no relatório final da CPI, a despeito de já existir um pedido de investigação por genocídio no Tribunal Penal Internacional, mostra ainda que os povos originários continuam a ser considerados descartáveis para a burguesia brasileira como o foram desde o período colonial.

Para Bolsonaro, seus familiares e aliados próximos, a reeleição é a única forma de garantir que não sejam processados e provavelmente presos por suas ações. Sem o poder presidencial na mão que lhe permita ter os órgão governamentais (como a AGU e a Polícia Federal) para blindá-los, o risco de serem presos perante as inúmeras provas e evidências que eles mesmos fornecem é grande, já que, diferente da cúpula militar, não terá uma capacidade de pressão institucional organizada que o proteja. A debilidade organizacional de Bolsonaro é evidenciada pelo fato de ter sido incapaz, mesmo antes da corrosão maior de sua popularidade causada pela pandemia, de criar um partido próprio.

Restou-lhe ter de mendigar a entrada em um partido fisiológico como o PL, entrada esta onde não terá controle sobre as finanças do partido (pois foi-lhe negado comando sobre diretórios) e que foi obrigado a fazer para não se ver fora do páreo eleitoral.


O final de 2020 e início de 2021, presenciou o retorno das manifestações de rua contra o governo e suas políticas anti-populares. Tendo em vista o acúmulo de crimes de responsabilidade evidentes, somados aos crimes cometidos na gestão da pandemia, as manifestações colocavam o Fora Bolsonaro como eixo principal, sinalizando que a queda do governo não poderia esperar mais um ano e meio pela saída via eleição.

Ao mesmo tempo, o ex-presidente Lula como a opção de esquerda contra Bolsonaro tornava-se cada vez mais forte, depois que as condenações ilegítimas feitas pelo ex-juiz Sérgio Moro foram anuladas.Neste cenário, a opção petista foi de esvaziar a demanda de derrubada já do governo por via extra eleitoral e desviar o impulso para a solução apenas no ano que vem: as manifestações Fora Bolsonaro foram, na prática, transformada em Volta Lula (em 2022).

Paralela à queda da popularidade de Bolsonaro e o derretimento de suas intenções de voto em 2022 ocorre a ascensão de Lula ao posto de primeiro colocado (com algumas pesquisas colocando a possibilidade de eleição no 1ºturno). Esta popularidade de Lula se alimenta da óbvia lembrança entre as camadas mais pobres da população do que foi sua situação de vida nos anos do governo do petista aliada à clara diferença entre a visão de política de Lula em relação a Bolsonaro. Há uma diferença abissal na capacidade de responder às necessidades básicas da população entre uma fala de Lula e uma live de Bolsonaro. E é um claro sinal do grau de despolitização em que será realizado o processo eleitoral que nenhuma proposta programática concreta da candidatura petista foi ainda apresentada. O eixo se dá na figura carismática de Lula e nas características positivas para o nível de vida em seus governos, contrapostos à figura execrável de Bolsonaro e seu governo de morte, violência e fome. Não há, até o momento, nenhuma colocação clara do que fará um futuro governo petista em relação a toda a legislação anti-popular e restritiva dos direitos trabalhista aprovadas desde 2016. Nos espaços virtuais, as vozes que procuram lembrar os limites das políticas petistas na questão ambiental (p.ex. Belo Monte), nos direitos humanos (p. ex.aumento da população carcerária, aprovação da lei Antiterrorismo) bem como a desindustrialização e reprimarização da economia são prontamente taxadas de “divisionistas” ou de “fazerem o jogo da direita”.

Mas, no campo da esquerda, a única candidatura viável (agora que a opção de saída extra-eleitoral de Bolsonaro foi eliminada) é a de Lula. E é para garantir que poderá concorrer e que, ao contrário de 2018, não será vítima de um novo golpe jurídico que o tire da disputa que Lula claramente busca ampliar o arco de alianças à direita. É nesta lógica que torna-se plausível o que até um passado muito recente seria considerado impossível: a possibilidade de Geraldo Alckmin ser vice na chapa de Lula. Que o partido que teve como uma de suas origens as Comunidades Eclesiais de Base, embasadas na Teologia da Libertação, hoje busque em um quadro de direita, ligado à reacionária Opus Dei a fiança de sua confiabilidade junto à burguesia nacional, mostra o quanto à direita migrou o PT. Se dentro do imaginário político brasileiro é o partido de esquerda paradigmático, a verdade é que encontra-se na centro-direita pela prática (basta ver as gestões petistas, como a de Rui Costa na Bahia) ainda que tenha um discurso cotidiano de centro-esquerda (cujo variações no tom de “esquerdismo” a depende do público-alvo).


Mas, a despeito de todo o desejo de Lula e do PT de se mostrarem confiáveis para substituir Bolsonaro, a despeito de todo o histórico de alinhamento com o capital financeiro e agro-exportador dos governos petistas, a candidatura Lula é ainda menos desejável para o grande capital como opção de ocasião do que o foi a candidatura Bolsonaro em 2018.

A razão para isto é justamente aquilo que faz com que ele esteja nos primeiros lugares nas pesquisas eleitorais: a possibilidade, para os seus eleitores, de poderem voltar a ter ganhos reais como os que tiveram no passado. No atual momento, em que a crise estrutural do capital é evidente e se aprofunda, o papel determinado ao Brasil (e a toda a América Latina) de ser exportador de commodities e de transferidor de valor retirado através da superexploração da força de trabalho, em que quaisquer medidas de redistribuição de renda afeta a lucratividade do capital, esta esperança é potencialmente perigosa para a burguesia nacional.

Com a guinada à direita empreendida em 2016, via impeachment de Dilma (apesar de toda a boa vontade de seu governo em encampar uma agenda de austeridade econômica) o grande capital mostrou que, para conseguir alcançar seus objetivos, necessita de governos autoritários, da expansão dos órgãos de repressão, do bloqueio a qualquer ganho popular via parlamentar. A opção de governar via um “governo popular”, por mais que este queira dar mostras de alinhamento, é considerada desvantajosa pois implicaria necessariamente em concessões para manter o apoio popular, concessões estas que o grande capital não deseja fazer. Por mais burocratizado que esteja, o PT é um partido de origem em lutas populares e sindicais, ainda mantém em suas bases militantes comprometidos com a transformação social e capazes de mobilização (como o fizeram nos atos contra Bolsonaro) e que, portanto, é potencialmente perigoso do ponto de vista do capital.

É por isso que assistimos diariamente um festival de candidatos e pré-candidatos de direita se lançando no mercado exatamente como produtos à busca de um consumidor. Denominada de “terceira via”, este espírito de direita, este bolsonarismo sem Bolsonaro, ainda não encontrou um corpo para se encarnar e ser comprado pelo grande capital, apesar de todo o esforço de publicitários, marqueteiros e da grande mídia. Após João Dória, Ciro Gomes, Simone Tebet e Alessandro Vieira, o mais recente candidato de proveta é o ex-juiz venal e ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, Sérgio Moro.

Mesmo com sua parcialidade, venalidade e indigência intelectual explícitas ele é o evidente candidato das corporações midiáticas que o alçaram ao posto de herói pela sua atuação na Lava-Jato. Suspeito de ligações nada republicanas com órgãos de inteligência dos EUA, tendo todas as suas sentenças sobre Lula anuladas por incompetência, sem qualquer experiência em administração pública e autor de um Pacote Anti-Crime que legalizaria as execuções policias sumárias através da regulamentação do “excludente de ilicitude”, Moro não é, no fundo, diferente de Bolsonaro e, é até o momento, a aposta de parcela importante da burguesia.

Muito significativo desta opção foi o apoio que recebeu de ex-membros militares do governo Bolsonaro que, uma vez postos para fora do governo, agora posam de democratas. Esta ala golpista militar rompida com Bolsonaro agora se agrupa ao redor do ex-juiz, indicando que uma parcela das Forças Armadas poderá elegê-lo como opção, abandonando o ex-capitão. Por outro lado, é evidente que os militares em seu conjunto consideram que seu retorno ao poder via um governo civil é um fato consumado a ser mantido: estão no governo atual e atuarão para garantir que continuarão no próximo. Tendo em vista o papel de tutela que os militares exercem sobre a república brasileira desde sua formação, ainda mais quando fazem novamente parte significativa de um governo, o apoio de parte do generalato e da alta oficialidade a Moro é a sinalização de que o consideram confiável para manter o seu status quo.


Pelo que analisamos acima, podemos prever que 2022 será um ano turbulento e violento. Ainda que com a popularidade em queda continuada, Bolsonaro mantém uma base fiel dentro do aparato de segurança e repressão do estatal, seja a nível federal (Polícia Federal, parcelas do Judiciário e do Ministério Público), seja a nível estadual(PM’s e Polícias Civis), além de organizações bolsonaristas ativas nas redes sociais divulgando a ideologia neofascista e fazendo perseguição virtual a opositores. Quanto mais ameaçado se sentir em relação a possibilidade de se reeleger, mais estes grupos fiéis serão mobilizados contra as candidaturas adversárias, em primeiro lugar contra Lula e todos os que apoiarem sua candidatura. Tendo nas mãos o aparato de Estado e certo de que chegará ao fim do mandato pela blindagem das “instituições republicanas”, Bolsonaro não recuará de fazer uma campanha ainda mais agressiva e violenta (virtual e física) para se manter no poder.

Por outro lado, ainda que esteja em primeiro lugar nas intenções de voto e suas condenações anuladas, nada garante que a candidatura de Lula não venha a sofrer um ataque para impedi-lo de concorrer, via manobras “legais”. Da mesma forma, ainda que venha a ganhar, poderá ter sua posse ameaçada, como foi a de João Goulart em 1961, novamente pelo golpismo das Forças Armadas e dos setores reacionários. Seria ingenuidade achar que a grande burguesia aceitaria um resultado desfavorável à sua agenda, só porque ocorreu dentro das normas da democracia liberal.


Assim, o desafio para os setores populares, anticapitalistas e antifascistas, é duplo:


1) pressionar para manter as reivindicações que se contraponham à agenda do capital,

a despeito dos movimentos de conciliação do PT.

Será preciso lutar para a revogação das medidas de arrocho e retiradas de direitos promulgadas desde 2016, como a revogação do Teto de Gastos e da Lei Antiterrorismo promulgada por Dilma, mudar o sistema fiscal taxando dividendos e grandes fortunas, interromper os ataques aos povos indígenas, para reverter a política de destruição ambiental, implementar políticas de segurança alimentar e garantir o financiamento do SUS e da Educação Pública, etc…

Será preciso, fundamentalmente, lutar para que todos os responsáveis pela gestão criminosa da pandemia sejam responsabilizados e punidos. É preciso criar uma nova Comissão da Verdade que, diferente da que investigou os crimes da ditadura militar, tenha poderes para punir adequadamente os culpados pela maior tragédia sanitária da história brasileira.


2) garantir que a candidatura Lula possa concorrer, se concorrer possa ganhar e se ganhar possa tomar posse.

Independente de toda conciliação de classes e dos claros limites que um novo governo do PT terá, sua existência por si só representará um golpe sobre a extrema-direita civil e militar e uma margem de manobra maior para os movimentos populares. Perante o governo mais repressivo desde a ditadura militar, qualquer derrota imposta ao projeto neofascista beneficia os movimentos populares.

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