OS MILITARES E O GOVERNO BOLSONARO, ATÉ ONDE PODEM IR?
- paraumnovocomeco
- 7 de abr. de 2021
- 10 min de leitura
13/06/2020

No dia 13/06 o Brasil alcançou a marca oficial de mais de 831.064 casos de Covid-19 e ultrapassou 41.901 mortos. Este número de mortos já deixou atrás o que Bolsonaro, ainda quando deputado federal, disse que deveriam ter sido o número de assassinados pela ditadura civil-militar (30 mil); o que os governos dos generais não fizeram o governo do ex-capitão ultrapassou, deixando a pandemia se alastrar sem controle pelo país. E esse número tende a ser largamente pela já evidente política genocida deste governo. Os mais atingidos e mais vitimados pela pandemia não são os membros das classes altas e médias-altas (através das quais o vírus entrou via aeroportos). São os pobres que não tem acesso à água potável e material de higiene e limpeza, que são obrigados a sair para trabalhar porque é política de governo que não tenham uma renda básica que lhes permita ficar em isolamento, que enfrentam aglomerações e o risco de se contaminar para conseguir a ajuda emergencial quando preenchem os requisitos para tal (ainda que a liberação do pagamento seja incerta para muitos)… São aqueles que desde sempre não tiveram acesso à habitação adequada, ao saneamento, à atendimento de saúde. São os corpos os quais se deve moer para não parar a economia, são os CPFs que podem ser cancelados para que os CNPJs não morram. Perante esta política deliberada de deixar a população se infectar e enfrentar o risco de morte caso não possa fugir da fome é esperado que as tensões sociais tenham uma escalada em virtude do previsível colapso dos sistemas de saúde do aprofundamento da crise econômica que já estava em curso desde 2015. A isto se soma a crise política dentro das frações da burguesia por conta deste mesmo alto custo social, crise em que se enfrentam o núcleo do governo federal e líderes políticos locais, como os governadores João Dória (SP e Wilson Witzel (RJ), todos com projetos políticos similares mas com articulações políticas e ambições diferentes.
QUAL O REAL PESO E PAPEL DOS MILITARES NO GOVERNO?
Neste contexto a presença de militares da ativa e da reserva no governo federal que sempre foi alta tornou-se ainda maior. Tão grande que, não apenas o número de militares em todos os níveis do governo federal já passa de 2500 (incluindo os oriundos das Polícias Militares), quanto a própria direção do Ministério da Saúde (após a demissão de dois ministros em três meses) é entregue a um oficial general sem qualquer formação na área da Saúde (logo secundado por mais cinco outros militares em funções chave dentro do ministério, tampouco com formação na área). No início do governo Bolsonaro foi postulado que a chamada dos militares para compor o governo denotava a carência de quadros com experiência de administração da máquina pública no grupo de extrema-direita que chegou ao poder. Que os militares, por terem um perfil técnico e não compartilharem das concepções “lunáticas” expressas pelos bolsonaristas, atuariam como um poder moderador do voluntarismo de Bolsonaro e permitiriam separar a retórica do presidente da prática do governo sendo em última análise o sustentáculo “racional” deste. O que se observa com o agravamento da crise econômico-político-institucional foge desta avaliação. Os militares apresentam-se como sustentáculo do governo mas apoiando a sua radicalização e desvelamento do projeto neofascista, aceitando a política de privilegiar o embate político em lugar do combate à pandemia, aceitando os custos sociais impostos sobre a população. A despeito de embates pontuais com quadros militares que terminaram por sair do governo (como os generais Maynard Santa Rosa e Fernando Santos Cruz), a despeito de rumores de rusgas de Bolsonaro com o comandante do Exército, general Pujol, a verdade é que sempre que necessário a mensagem de apoio ao governo veio da caserna. Basta ver os tuites do ex-comandante Villas Boas e o recente artigo publicado pelo vice Mourão do jornal Estado de São Paulo: a diferença em relação às declarações de Bolsonaro se resumem ao uso correto da língua portuguesa e a capacidade de construir mais de dois parágrafos com coerência. A transferência das responsabilidades da crise para todos os outros atores políticos, isentando o governo federal de qualquer crítica é a tônica de ambos. E por qual razão as FFAA se mantém garantidoras de um governo que é um dos principais fatores da crise da própria institucionalidade burguesa da qual são parte A resposta é que, pela primeira vez desde o fim da ditadura civil-militar, está no poder um governo que não tem discordância com as diretrizes e avaliações fundamentais da elite militar, que assume a sua ideologia de nacionalidade e cidadania. A formação dos quadros militares e a visão atual de Brasil das FFAA foi moldada não só pelo conservadorismo político e pelo anticomunismo do período da Guerra Fria, mas pelos elementos do fascismo oriundos da década de 1930, pela noção da nacionalidade como um todo homogêneo onde a divisão (de classe, étnica, etc…) é introduzida por inimigos externos e internos, pelo conceito de autoridade como valor fundamental da sociabilidade. Um dos principais fatores a permitir a hegemonia do pensamento conservador e, no limite, fascista dentro das FFAA foi o expurgo dos militares ligados à concepções políticas consideradas de esquerda após o golpe de 1964 (número que superou o de funcionários civis cassados). Partindo da posição de que, em virtude de sua inferioridade relativa, havia necessidade de alinhamento do Brasil aos EUA e da concepção de que o poder militar é necessário para impedir as ameaças à nacionalidade idealizada, um pensamento conservador e autoritário se consolidou nas FFAA. Para se ter ideia do universo ideológico da formação militar basta uma olhada nos livros recomendados pela Biblioteca do Exército para serem estudados nos quartéis: encontramos desde clássicos do conservadorismo como A Rebelião das Massas de Ortega y Gasset até A Revolução Gramscista no Ocidente (!) de Sérgio Coutinho passando pela História Concisa da Revolução Russa de Richard Pipes (que a resenha classifica de “evento trágico e sórdido”). É verdade que o que chega ao poder diretamente ligado a Bolsonaro é um grupo que enaltece a linha dura da ditadura militar, que elogia torturadores falecidos como Brilhante Ustra e homenageia os ainda vivos como o Major Curió. É o grupo que foi minoritário na disputa dentro da ditadura, cuja velha guarda é representada pelo general Heleno, que foi ajudante de ordens do general Sílvio Frota o qual tentou um golpe em 1977 por discordar da “abertura” de Geisel e Golbery e foi exonerado. Mas não haverá dissonância com o restante da cúpula militar: todos estarão unidos em reivindicar o revisionismo de considerar o golpe de 1964 um “revolução” necessária para salvar o país do comunismo e da corrupção e garantir a atualização de seu legado. E para isso se tornam secundários os inúmeros indícios de envolvimento da família Bolsonaro com corrupção, a proximidade com organizações milicianas, o financiamento de uma fábrica de mentiras disseminadas pelas redes sociais, a evidente ligação com grupos fascistas e neonazistas. Todos compartilham da concepção de que as lutas por direitos dos negros, mulheres, LGBT ameaçam a unidade do povo brasileiro ao introduzir divisões inexistentes; para eles o racismo estrutural não existe, a mulher já está emancipada ao poder trabalhar e os direitos dos LGBT são parte da “ideologia de gênero”. A luta pela demarcação dos territórios indígenas e quilombolas é ameaça à própria integridade nacional, prejudicando a exploração dos recursos naturais e o desenvolvimento nacional e comportando (no caso dos territórios indígenas) o risco de formação de áreas independentes ou internacionalizadas. Neste contexto é bastante revelador a composição do ministério da Saúde para enfrentar uma pandemia em ascensão. A despeito das FFAA terem em seus quadros profissionais da área da saúde com formação em Saúde Pública, muitos com alto preparo técnico-administrativo, os convocados são todos de áreas ligadas à atividade militar de combate. O que se conclui? Que o coronavírus é um inimigo, a pandemia é uma guerra e em toda guerra existem os aliados e os que se aliam ao inimigo. São aliados aqueles que seguem as determinações do governo federal, por mais anticientíficas e ineficazes que sejam. Estão do lado do inimigo os que cobram medidas econômicas para garantir o isolamento, que recusam indicar medicações ineficazes (como a cloroquina) e desperdiçar nelas recursos que faltam para equipamentos de proteção e insumos de saúde, que denunciam a corrupção evidente. E este engajamento dos militares no governo se associa também ao engajamento de elementos oriundos das forças de segurança, das Polícias Militares estaduais, que são um dos pilares do apoio eleitoral do bolsonarismo. Se a carreira parlamentar de Bolsonaro se apoiou inicialmente nos votos da chamada “família militar” do Rio de Janeiro rapidamente foram criados laços com membros da Polícia Militar estadual e, por conseguinte, aproximação com ex-policiais integrantes das milícias que competem com o narcotráfico pelo controle do mercado do crime. Com o crescimento de sua presença a nível nacional, sempre defendendo pautas alinhadas ao punitivismo penal e ao afrouxamento dos mecanismos de controle da atividade policial, tornou-se a referência política da parcela mais violenta e insubordinada dos órgãos de segurança. No bojo da eleição presidencial de 2018 foram vários os candidatos a deputados estadual e federal eleitos associados à extrema-direita que tem origem nos órgãos de segurança, constituindo fração bolsonarista na assim chamada “bancada da bala”. O grau de extensão da influência do bolsonarismo neste segmento pode ser avaliado pelas greves e motins que ocorreram no país envolvendo polícias estaduais, indicando uma quebra da hierarquia e perda de controle dos governadores sobre parte da tropa sob seu comando.
ATÉ ONDE BOLSONARO E OS MILITARES PODEM IR?
Em um momento de acirramento das disputas entre as classes dominantes dá entrada, a partir das manifestações de 31/05, o elemento de resistência popular à escalada fascista. A manifestação liderada pelas torcidas organizadas em São Paulo, a manifestação popular em Manaus, e contra a violência policial no Rio de Janeiro, seguidas logo na outra semana de protestos antifascistas e antirrascistas nas principais cidades do país trazem de volta para as ruas a esquerda e os movimentos sociais, mesmo que sob o risco da pandemia, para disputar um espaço que a extrema-direita vinha ocupando sem contraposição. Some-se a isso a explosão de protestos contra a violência racial e o racismo nos EUA, que contribuem para a mobilização contra o genocídio da população negra aqui. A atitude da PM paulista, agredindo os manifestantes que gritavam por democracia e protegendo os fascistas, e da PM carioca, jogando bombas de gás ao final da manifestação no Rio de Janeiro, deixa claro de que lado as forças da “ordem” estão alinhadas. Entramos agora em uma fase mais aguda da crise política com a ação da esquerda em um campo onde o bolsonarismo não tem capacidade de mobilização: as ruas. Ancorado em uma rede virtual de mentiras, impulsionada por robôs e ativistas digitais subvencionados por empresários, apoiando-se em atitudes provocativas para se manter na mídia o calcanhar de Aquiles de Bolsonaro é a perda da iniciativa de protagonismo. Quando a esquerda vai para a rua, quando os protestos saem do espaço virtual e corpos reais se movem, gritam palavras de ordem, empunham cartazes e ocupam o espaço midiático com seu protagonismo o ponto sensível da estratégia bolsonarista é atingido. Cientes disto é esperado que haja por parte do governo o movimento de repressão e perseguição aos ativistas e manifestantes e que inclusive tente promover a intervenção das FFAA para estancar a sangria da capacidade de controle. Embora muitos falem em um possível golpe de Estado, pensando em 1964, é evidente que a tomada do governo pelos militares é desnecessária porque já se encontram nele em peso e em postos chaves. O que seria preciso é o arremedo de justificativa legal, arremedo este que as declarações do Procurador Geral da República Augusto Aras e do jurista Ives Gandra já costuraram, ao interpretar o art. 142 da CF como autorizando a intervenção da FFAA. Possibilidade esta que, inclusive, já se encontrava explicitada desde 2017 no documento Cenário de Defesa 2020-2039: “Devido à situação político-institucional, parcela significativa da população poderia se revoltar contra a classe política e demandar mudanças, gerando violência, o que, provavelmente, colocaria as Forças Armadas na cena política por força do Art. 142 da Constituição Federal (garantia dos poderes constitucionais). “ Assim, a evolução da situação político-social no Brasil caminha para uma exarcebação dos confrontos, escapando da lógica institucional burguesa, e gerando uma possível instabilidade dentro do próprio núcleo dirigente do governo. Embora as FFAA se encontrem em apoio ao governo Bolsonaro, a base social na qual se apoia o bolsonarismo se alimenta do apoio personalista ao líder e na quebra da hierarquia e da disciplina dentro das próprias instituições militares e de segurança. A lógica que rege o bolsonarismo é a lógica miliciano-fascista do confronto permanente, a lógica inerentemente instabilizadora da disputa continuada contra o inimigo da vez, não a lógica racionalista da obtenção dos objetivos propostos e controle do conflito que rege a lógica militar. O desgaste cada vez maior de Bolsonaro associado à instabilidade social e ao aumento das expressões populares de revolta, não tendo o governo qualquer política coerente para responder à crise, nos coloca ante ao possível início de um período crise aguda de governabilidade. Para qual lado poderá pender a balança de poder dependerá da capacidade de ação das forças sociais envolvidas. Estamos um dos período onde as forças populares encontram-se dispersas e, pior ainda, sem um programa mínimo que as unifique para uma luta conjunta. Construí-lo e articular as diversas forças constitui o maior desafio do momento.
Todo apoio às manifestações antifascistas/antirracistas! Por uma Frente de Esquerda que lute por um programa emergencial anticapitalista
Nesse sentido, as manifestações antifascistas e antirracistas que têm tomado as ruas e praças em várias cidades pelo país são fundamentais e devem ser apoiadas e incentivadas sempre tomando-se todos os cuidados de preservar quem esteja nos grupos de risco, distanciamento, uso de máscaras, uso de álcool em gel, etc. Mas é daí que pode vir a principal iniciativa pra parar a escalada autoritária de Bolsonaro e seu governo assim como à medida que cresçam, podem viabilizar o Fora Bolsonaro, Mourão e os militares e reabrir o debate de rumos do país. O papel da esquerda socialista é, além de apoiar e fazer os esforços por essa unidade, também apresentar um programa de medidas de urgência ligadas com os desafios estratégicos a serem enfrentados. - Manutenção e extensão do isolamento social enquanto não haja vacina ou cura para a COVID-19 - Fila única dos leitos entre as redes pública e privada, e intervenção pública nos hospitais para garantir seu cumprimento. Duplicação dos leitos, através de investimentos públicos. - Reconversão de empresas nacionais impulsionada pelo governo para produção de respiradores e demais equipamentos; distribuição à rede única de saúde pública; - Manutenção, aumento prolongamento da ajuda financeira enquanto durar a Pandemia para 1 salário mínimo para todes a partir de 16 anos e de 2 salários mínimos para mães chefes de família. - Ajuda financeira para pequenas e médias empresas - Cancelamento das cobranças de aluguel, água e luz durante a pandemia; - Organização e construção de casas abrigo 24 horas para mulheres, população LGBTQI+ e crianças em situação de vulnerabilidade, com punição exemplar aos agressores; - Para aliviar a sobrecarga dos presídios, desencarceramento dos casos de delitos mais leves como pequenos roubos, uso de drogas... aplicação de penas alternativas. - Que o dinheiro necessário a essas medidas venha da Taxação das grandes fortunas e suspensão imediata do pagamento das Dívida Pública da União, Estados e Municípios. Auditoria e não pagamento da Dívida Pública aos bancos, fundos de investimento e demais agiotas!
Junho 2020
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