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O GOVERNO BOLSONARO E OS DESAFIOS PARA OS MOVIMENTOS SOCIAIS

  • paraumnovocomeco
  • 26 de fev. de 2021
  • 6 min de leitura

07/02/19


Com os protestos de 2013 ocorre o início da crise e do desmonte do pacto de elites constituído para o fim da ditadura, conhecido como Nova República. Em um contexto de reflexo interno da crise econômica global iniciada em 2008, e de descontentamento com a condução político-econômica dos governos reformistas do PT, além do desgaste do partido com as denúncias de corrupção, há uma perda de apoio ao governo Dilma. Com o refluxo das manifestações o vácuo criado passa a ser ocupado por organizações de direita que obtêm direção teórica e até mesmo financiamento de think tanks neoliberais, passando a difundir uma pauta neoliberal através da imprensa, mas significativamente através das mídias sociais.

Em consonância com a rearticulação internacional do capital, a direita brasileira passa a um enfrentamento com as (parciais) políticas redistributivas do PT, propõe um aprofundamento da adoção de medidas neoliberais, concentra seu apelo ideológico na corrupção e no aumento da violência como consequência das políticas petistas e da corrupção do partido. Ao perder as eleições em 2014, a direita brasileira então capitaneada pelo PSDB rompe com um pilar do pacto da Nova República ao questionar a lisura das eleições e chamar ao impeachment da presidenta, ao mesmo tempo em que articula com outros partidos de direita o bloqueio no Congresso da capacidade de governança de Dilma. A perda de base de apoio popular do governo Dilma, ao adotar na prática o programa econômico neoliberal derrotado na eleição, permite que o processo de impeachment seja instaurado e siga seu curso através da ação de atores diversos (partidos de direita, Judiciário, organizações civis de direita, Forças Armadas,...) até o impedimento da presidenta em 2016.

A posse do governo Temer não significa uma resolução da crise de governabilidade burguesa porque suas medidas de aprofundamento da política econômica neoliberal, associada às evidências de corrupção não só do presidente, mas dos partidos que o apoiam, levam a um rápido desgaste e perda profunda de popularidade. A permanência de Temer no governo até o fim de seu mandato tampão ocorre pelo pacto das frações burguesas dominantes em impedir uma nova crise com seu afastamento, mobilizando para isso o Judiciário e o Congresso e tendo sua tarefa facilitada pela fragilidade de organização popular para levar a frente um movimento eficaz pela queda do governo.

No processo de desgaste do governo Temer são também erodidas as lideranças burguesas "tradicionais" que poderiam se apresentar como opção para manter o rumo de alinhamento do Brasil ao capital internacional em sua ofensiva de aprofundamento neoliberal. Neste contexto de crise de representatividade burguesa e com o risco de eleição de um candidato do PT, uma vez que a despeito de toda a campanha midiática a popularidade de Lula poderia levá-lo a ganhar a eleição presidencial, ocorre em paralelo a prisão de Lula (através de manobras legais espúrias) e o crescimento da candidatura de Bolsonaro como um "candidato antissistema". No decorrer da campanha presidencial, na qual se evidencia a falência das candidaturas tradicionais (PSDB, PMDB) e a capacidade de um apoio popular ainda significativo ao PT, há o apoio do grande empresariado à Bolsonaro permitindo sua vitória.

Analisando a trajetória que leva Bolsonaro ao poder não é errôneo recuperar o conceito de bonapartismo para analisar seu governo. Temos uma crise de representatividade burguesa em um momento de crise econômica que, para garantir a reprodução do capital, se necessita aprofundar a espoliação da classe trabalhadora mas, ao mesmo tempo, a demonstração de que há a rejeição deste programa por parcela significativa da população. A utilização de um político medíocre e paroquial, que embasa sua campanha em plataformas morais francamente conservadoras e apelando para o senso comum, despolitizando a campanha, mas cercando-se de um núcleo de economistas neoliberais pode ser considerada uma atualização do processo bonapartista, ainda que não por um golpe formal; porém o afastamento do principal oponente de Bolsonaro através de manobras jurídicas além da utilização do poder econômico para uma inédita ofensiva midiática através das mídias sociais (em especial o Whatsapp), capturando a propaganda político para fora das instâncias formais de debate, podem ser consideradas como uma forma tecnicamente avançada de golpe ao ordenamento da democracia liberal burguesa.

Por outro lado, Bolsonaro apresenta-se incapaz de cumprir por si só o papel de ator político capaz de realizar o programa de ajuste neoliberal ao mesmo tempo que esvazia a representatividade de outros atores. Não só persiste um Legislativo e um Judiciário que não se encontram dominados pelo bolsonarismo, como as evidências de envolvimento dele e de seus familiares com práticas de corrupção e proximidade com o crime organizado (milícias do Rio de Janeiro) o fazem um possível estorvo à contenção da crise institucional burguesa. Neste sentido é preciso considerar o peso acentuado que tem na máquina do Executivo os quadros militares, que ocupam não só as pastas relacionadas à segurança interna e externa, mas especialmente as pastas de infraestrutura e organização do governo, em um total de 45 militares (do 1º ao 3º escalão). Estes constituem quadros burocráticos com experiência de gestão pública (e vários em gestão de empresas privadas) e que já demonstraram proximidade com o núcleo econômico do governo. Seu principal representante, o vice-presidente Hamilton Mourão, desde a campanha se esforça para criar uma diferenciação com o candidato e atual presidente, emitindo opiniões próprias e apresentando-se como “moderado”. O que pode se estar desenhando é, em caso de “falência” da opção Bolsonaro, termos o recurso a um bonapartismo (semi) clássico lançando mão de um poder militar como garantidor do poder burguês.

Por outro lado, a caracterização do governo Bolsonaro como fascista não tem sustentação adequada. A despeito de que Bolsonaro e seu núcleo próximo e, certamente, de seus apoiadores de primeira hora possam ser caracterizados como neofascistas ou protofascistas (pela sua mistura de nacionalismo, irracionalismo, xenofobia, culto a autoridade, anticomunismo histérico, entre outros), o governo como um todo não pode ser considerado fascista. Em primeiro lugar o discurso neofascista é propagado por atores como Bolsonaro, seus filhos e personagens midiáticos até então periféricos como Olavo de Carvalho, mas não constitui um núcleo ideológico coeso e muito menos com uma estrutura organizacional minimamente coerente; o partido do presidente (PSL) apresenta-se como constituído de indivíduos que aproveitaram a vaga de popularidade mas com disputas de poder internas importantes desde o fim da eleição. Não há um apelo de massa para a propaganda neofascista, que se assenta em um anticomunismo rasteiro da época da Guerra Fria, embora o esforço de associar a esquerda em geral com o PT e a corrupção tenha sido bem sucedido. O que mais apresenta apelo ideológico é a pauta moral conservadora, aproveitando-se da ideologia dos grupos fundamentalistas cristão mais reacionários, mas mesmo isto esbarra na heterogeneidade dos evangélicos brasileiros. Em segundo lugar a pauta neofascista não é encampada pelo núcleo econômico e pelo núcleo militar, que se orientam para uma postura mais pragmática na defesa das políticas neoliberais, o que não significa que a utilização de procedimentos autoritários e mesmo ditatoriais sejam excluídos, ao contrário. Por outro lado, um governo fascista necessita de um Judiciário que esteja também fascistizado, o que não é o caso atual; o Judiciário brasileiro já deu mostras de uso instrumental da jurisprudência para garantir a exclusão mesmo de uma esquerda moderada no poder, mas não apresenta sinais de alinhamento com a pauta fascistizante de Bolsonaro.

É possível dizer então que o governo Bolsonaro não é um governo bonapartista clássico, mas um governo bonapartista com tutela militar e traços fascistizantes; um governo que encontra-se cheio de contradições internas que não puderam ser equacionadas com sua eleição e cuja dinâmica ainda está em curso. Apresenta um discurso midiático que beira o fascismo para consumo interno de seu núcleo duro e que procura disseminar mas cuja ressonância no conjunto da sociedade ainda não é significativa.

Este será um governo duro para com os movimentos sociais, pois para implantar a sua agenda neoliberal radical precisa conseguir neutralizar ou derrotar a resistência que encontrará à retirada de direitos e à precarização e mercantilização das esferas da vida social. Este cenário poderá ficar ainda mais adverso caso ocorra a opção das classes dominantes por um governo assumidamente militar. Embora enfraquecidos, os movimentos populares, que não foram paralisados nem destruídos, podem recuperar a capacidade de mobilizar a população e barrar a pauta reacionária mas carecem ainda de uma organização mais efetiva e de uma pauta propositiva de alcance popular. Tendo em vista que a política a ser imposta pelo governo Bolsonaro será essencialmente contrária aos interesses materiais da maioria da população, pode-se prever o desgaste deste governo e a possibilidade de se criar um novo campo político de esquerda que possa disputar a hegemonia com as classes dominantes. Para isso é necessário desde já criar um movimento que tenda a unificar a luta popular dentro de uma perspectiva anticapitalista e não reformista, orientada pela centralidade da luta de classes, e procurando conjugar as várias lutas antiopressão (movimentos feministas, LGBT, raciais, etc..) através de frentes e ações conjuntas de organizações e militantes não só para barrar o avanço neoliberal mas, principalmente, para desenvolver os processos de organização de base e defender uma pauta propositiva que aponte para a superação do capitalismo.

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