ELEIÇÕES NO BRASIL: CRUZAMENTO DE CASSANDRA, 42 ANOS DEPOIS.
- paraumnovocomeco
- 26 de fev. de 2021
- 4 min de leitura
Por Silvia Beatriz Adoue
17/10/18
(Extraído e traduzido do site Herramienta - Revista de Debate e Crítica Marxista. Recomendamos para entendimemtos das forças mais profundas envolvidas nesta eleição.)
Em 1976, o filme "Travessia de Cassandra", dirigido por George Cosmatos. Na trama, um trem corria sem freio na direção de uma ponte quebrada sobre um abismo. É para onde estamos indo nessas eleições, seja qual for a velocidade do nosso trem. Peço desculpas pelo spoiler , não sobre o resultado do filme, mas sobre o emaranhamento eleitoral. Também peço permissão para mover a câmera para longe em uma foto panorâmica que não feche o foco nesta campanha de 2018.
O modelo que se consolida no mundo exige a integração de todos os territórios às suas cadeias de acumulação. Para isso, um novo padrão de dominação é desenhado, o que exige mudanças bastante drásticas no uso da terra e nas formas de extrair valor. Ele precisa criar novos campos de negócios antes impensáveis. Os estados são agentes que operam essas transformações.
Não é possível reconstruir o contexto histórico que permite, mesmo como uma miragem, buscar um futuro horizonte de bem-estar social. Esse período já está fechado há muito tempo. O que está em questão é a velocidade com que o novo padrão de dominação será implementado.
No Brasil, em 1964, uma situação semelhante à atual foi vivenciada. Foi também sobre a implantação de um novo padrão de dominação. O sociólogo brasileiro Florestan Fernandes mais tarde avaliaria que, se a burguesia brasileira não concordasse com essa adaptação, haveria uma "reversão colonial" no país. Os documentos secretos recentemente desclassificados pelos Estados Unidos, e que serviram de base para o documentário de Camilo Galli Tavares "O dia que durou 21 anos", não deixam dúvidas sobre isso. Se a burguesia local não tomasse a iniciativa, uma força externa executaria a tarefa. A "contra-revolução preventiva", como chamou Florestan Fernandes, que foi implementada no Brasil, foi então replicada em todo o Cone Sul com o mesmo objetivo de desmantelar qualquer resistência à implementação da nova forma de dominação. E, uma vez consolidado, o exercício do governo pelos militares não era mais necessário.
Agora sofremos a pressão de reformar o marco legal que rege as atividades econômicas e as relações trabalhistas, necessárias à integração dos territórios ao novo modelo. E a burguesia não obtém o consenso já obtido no Chile, no Paraguai e na Argentina. As razões para essa particularidade devem ser buscadas no papel diferenciado que o Brasil, com poder econômico relativamente maior, vem cumprindo na região, como plataforma de exportação de capital e intermediário nas cadeias de acumulação. Não há setores com poder econômico que não estejam convencidos do imperativo dessas contra-reformas. Mas eles não chegam a um acordo sobre quem os fará, o que, no final, responde a uma disputa sobre como será a distribuição dos benefícios dessa operação. Mas construir consenso requer tempo e negociação. As vantagens que eles provocam na conversão rápida fazem com que muitos desses grupos sucumbam à tentação de uma solução drástica, mesmo sem consenso, com todos os riscos de instabilidade, dos outros setores não reconhecendo sua legitimidade e os custos de usá-la. a força para impor as mudanças.
Já no início do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, a incorporação ao gabinete de Joaquim Levy, assessor do partido adversário, como ministro da Fazenda, indicava a direção que o governo do PT estava disposto a seguir. Embora eu fizesse isso em baixa velocidade. A "Agenda Brasil" e a "Ponte para o Futuro" foram plataformas programáticas propostas por seus aliados do PMDB em 2015 para realizar algumas marchas. O impeachment que derrubou Dilma Rousseff só foi conseguido pela ruptura da aliança do PMDB com o PT e a aproximação do PMDB ao PSDB, o maior partido da oposição, de acelerar a aprovação das contra-reformas. Para desqualificar o PT foi utilizado o argumento da corrupção, atribuindo às práticas estruturais partidárias do Estado em sua articulação com o poder econômico. A falta de "solidariedade orgânica" da burguesia local e a cauda de palha que os políticos profissionais têm em relação a essas práticas, não lhes permite comandar uma recomposição de alianças. Corrupção, diz Antonio Gramsci, é algo como um mecanismo substituto, quando não é possível obter consenso [1] .
O governo emergiu do impeachment continuou sob ameaça de retirada do apoio dos novos aliados. Ambos, por sua vez, estão permanentemente ameaçados pela grande mídia por reclamações de corrupção. Esses grandes meios de comunicação operaram, por outro lado, permitindo o crescimento da candidatura do capitão de reserva Jair Bolsonaro, na época um discurso abertamente fascista, pressionando os partidos tradicionais a conseguir um acordo. Isso não aconteceu. Nem o PSDB nem o PMDB conseguiram se encontrar em torno de uma candidatura unitária, mesmo que fosse representante de um terceiro partido menor.
O discurso de fazer mudanças pela força, sem consenso burguês, ganhava força. A tentação de uma solução radical é alimentada pela urgência de contra-reformas para a integração de todas as energias econômicas nas cadeias de acumulação. Substituindo o consenso por uma direção disposta ao uso indiscriminado da violência, mesmo sabendo que isso liberaria para as forças sociais que não administrariam facilmente.
Nós só precisamos aplicar o freio de mão. Não será fácil.

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