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CRISE DO CAPITAL, REESTRUTURAÇÃO, ELEIÇÕES...

  • paraumnovocomeco
  • 28 de fev. de 2022
  • 9 min de leitura

CONSTRUIR UMA ALTERNATIVA ANTICAPITALISTA A PARTIR DE BAIXO!




Como já dissemos em artigos anteriores, a pandemia não foi a causa, mas apenas o fator desencadeante da crise atual que, vista em perspectiva mais ampla, é mais um momento de agravamento da crise estrutural do capital.

Essa crise estrutural na formulação de István Meszáros se instaurou desde o início dos anos 70 e de lá pra cá conheceu picos de maior agravamento, com períodos de certa retomada, porém não nos mesmos patamares de crescimento anteriores, além de exigir sacrifícios cada vez maiores em termos de ataques às condições de trabalho e de vida da população trabalhadora, endividamento cada vez maior dos Estados e nações, destruição ambiental e guerras.

A pandemia então desencadeou esse agravamento da crise, mas ao mesmo tempo encobriu seu caráter de crise do capital, passando a ideia de ser uma crise apenas devido à pandemia e seu gerenciamento, o lockdown, atraso das vacinas, etc. É assim que a realidade foi e continua sendo interpretada pela sociedade, com auxílio da grande mídia, dos governos e outros agentes do capital. Junto às dificuldades objetivas (desemprego, precarização, relocalização e informatização das empresas e atividades) temos as dificuldades subjetivas, ao se ver a crise como responsabilidade da pandemia, levando à maior aceitação e desmobilização no enfrentamento às políticas dos governos e do empresariado.

Mas a pandemia ao mesmo tempo acelerou as medidas de reestruturação do capital frente à crise, que também já vinham se desenhando ou em seu início, mas que agora dão um salto tanto em velocidade como em extensão. Dessa forma o empresariado e os governos se unificaram na agenda antipopular, acabando com direitos trabalhistas e sociais e criando novas formas de opressão e controle (via aplicativos, etc) possibilitando esse aumento brutal da exploração. O resultado foi o avanço do trabalho informal e por conta própria, com sua ideologia: o “empreendedorismo”.

No Brasil desde o golpe jurídico-parlamentar de 2016 -, que derrubou Dilma Rousseff, e a ascensão de Temer, seguido posteriormente pela prisão de Lula e a eleição de Bolsonaro - houve um processo desorganizador que serviu à reestruturação da economia brasileira, em base ao reforço das tendências de desindustrialização em detrimento do agronegócio e setor de exportação de minérios. Essa remodelação se junta ao processo de dolarização que se espalhou por toda a economia, levando a violentos reajustes dos bens de consumo da classe trabalhadora e da classe média. A outra face desse processo tem sido as seguidas etapas de Reforma Trabalhista, cortando drasticamente os direitos e impondo de vez o trabalho informal, temporário e sem vínculos, controlado por plataformas e aproveitando-se também de uma mudança geracional da classe trabalhadora. Juntamente a isso um processo de privatização e de destruição da Floresta, do ambiente e dos povos originários nunca visto.

Foi isso que o ex-ministro infame do ambiente designara com “aproveitar a pandemia para passar a boiada”.

Não é à toa que vemos os índices e a realidade alarmante frente aos nossos olhos da crise social, em aumento até então inimaginável.

Todo esse processo dito desorganizador e reorganizador em prol do modus operandi do capital no Brasil foi saudado e apoiado pelo empresariado e a grande mídia. Mas se naquele momento os ganhos empresariais cresceram enormemente mesmo durante a pandemia, o mesmo não pode se esperar para o futuro próximo. Apesar da normalização da atividade econômica com a vacinação e redução do número de mortes, não se vislumbra uma recuperação e muito menos um novo ciclo de crescimento econômico.

Contribuíram para isso o negacionismo da pandemia, o trabalho contra a vacinação do governo Bolsonaro, além de suas constantes declarações de acirramento contra parceiros comerciais, como a China, etc.

E mesmo a agenda ultraliberal de Guedes que foi o principal fiador de Bolsonaro frente ao Mercado vem sendo rifada por Bolsonaro a serviço de sua reeleição, no descumprimento do Teto de Gastos, para viabilizar o programa Renda Brasil e as emendas eleitorais do Centrão.

Então, do ponto de visa do empresariado não há mais qualquer motivo para assumir uma defesa direta de Bolsonaro por mais quatro anos. Ainda mais diante do quadro social que será herdado pelo próximo governo que tende a gerar lutas e manifestações a depender de como se lide com essa situação.

Parte do capital também quer e precisa de algum nível de endividamento no curto prazo que possibilite uma recuperação econômica por mínima que seja, cujos cortes de direitos e privatizações, desgastes possam ser diluídos no tempo, com menos acirramento da luta de classes.


NÃO ESTÁ TÃO FÁCIL PREVER PARA ONDE VAMOS


Acreditar que a democracia representativa burguesa possa alterar as estruturas sociais criadas pela própria burguesia nos parece um pensamento um tanto quanto inocente. Afinal, por que uma classe dominante permitiria, por meios legais, possibilidades de ser afastada de sua condição? No Brasil, por exemplo, onde os veículos de comunicação também servem o Capital, a via eleitoral nos é apresentada como a única oportunidade de garantir uma suposta mudança na condução de governos. Ou seja, basta que o eleitor esperançoso vote “consciente” para que o próximo escolhido, de forma harmoniosa, conserte os erros do governante passado e conduza o país rumo ao progresso e o fim das mazelas sociais. Fato este ainda inédito para brasileiros desejosos de justiça social.

Bem, neste ano eleitoral de 2022 o resultado das últimas pesquisas já aponta que continuaremos nessa mesma espiral. A menos de 9 meses para as eleições, Lula surge vencedor em todos os cenários e com possibilidades de vitória no 1º turno. E se considerarmos o histórico de campanhas presidenciais, dificilmente o candidato à frente nas pesquisas não levaria a faixa em 2023. Além do mais, como estratégia eleitoreira, busca apoio e alianças com políticos representantes das classes dominantes. Apresenta-se cada vez mais como o candidato que atende as 2º e 3º vias e firma-se mais uma vez no populismo. Assim, apostar na vitória eleitoral do ex-presidente está fácil. Tarefa difícil é saber se, com sua vitória, sairemos do caos institucional, financeiro e sanitário provocados por Jair Messias Bolsonaro.

Mesmo assim Lula está discreto. Desde sua saída do cárcere em 2019, suas participações em entrevistas são poucas e seus discursos geralmente se baseiam nas injustiças que sofreu no “Caso do Triplex” ou nos avanços sociais que alcançou nos 8 anos em que foi presidente. Um exemplo disso é quando questionado sobre a atual realidade de fome e miséria que assolam o país, o ex-presidente insiste em dizer que em seu mandato o pobre tinha três refeições por dia e podia comer até picanha aos finais de semana. Convenhamos, ter garantida a alimentação regular diária e, de vez em quando, a oportunidade de um bom churrasco, hoje nos parece um sonho, já que 43,3 milhões de brasileiros sofrem de insegurança alimentar e 19 milhões realmente passam fome. Mas essa garantia não é nenhuma mudança nas estruturas sociais que tanto queremos.

A realidade social brasileira que Lula provavelmente herdará em 2023 é diferente da que assumiu de 2002 a 2010. As relações de trabalho mudaram com as reformas trabalhista e previdenciária. Os sindicatos perderam seu poder de negociação. A mais-valia social se intensificou com a desindustrialização, com as privatizações e com o surgimento do trabalho informal por aplicativos. Se já não bastasse, a pandemia do COVID-19 não dá indícios de cessar após 2022. Diante de toda essa problemática, uma política econômica de grande amplitude social poderia combater todo esse imbróglio, mas ela inexiste quando o maior representante da esquerda institucional faz suas palestras. Não há menção à recuperação de direitos dos trabalhadores, impostos progressivos, estatizações ou, até mesmo, rendas universais justas. Mas Lula se cala. Eleger-se parece ser sua única meta e, mais uma vez, crentes na democracia representativa burguesa, sofreremos mais 4 anos onde nada se muda.

O bolsonarismo tende a reforçar o discurso e as práticas de ódio, com parte de sua base social armada como as milícias, empresas de segurança privadas, setores das PMS e Guardas Municipais, e da classe média. E mesmo sendo derrotado nas eleições, não se pode descartar as tentativas golpistas ou de tensionamento político extremos, como a invasão do Capitólio chamada por Trump. A ultradireita não pretende admitir uma derrota, isso não faz parte do seu perfil político. Certamente tanto a campanha como as eleições e possivelmente a posse seja marcado por atos violentos, caso se confirme a derrota de Bolsonaro.

Mas além desses aspectos diretamente eleitorais teremos certamente a permanência da ultradireita organizada (frisamos isso, organizada) que não irá se desmobilizar e terá como seus alvos não apenas a desestabilização permanente de um possível governo Lula, e principalmente os movimentos sociais que se levantem no próximo período.


DESAFIOS, CONTRADIÇÕES E LIMITES DA NOSSA AÇÃO POLÍTICA


Entendemos que não devemos pensar a nossa intervenção na realidade social dos trabalhadores e no enfrentamento à ordem do capital considerando apenas o problema da “crise de direção” e com respostas apenas de ordem política e muito menos priorizando a esfera eleitoral, mesmo que com intervenção mais revolucionária.

Essa advertência é necessária. A realidade social brasileira está muito mais complexa. Ao nosso ver, aprofundou a “crise de alternativas socialistas”, que se expressa agora, de modo conjunto, com outros ingredientes, o que nos impõe novos desafios.

A combinação das “condições objetivas” e “condições subjetivas” imaginada por todos nós como parte do esquema interpretativo na adoção de planos de lutas e de intervenção no mundo real, requer, atualmente, uma maior atenção às questões subjetivas e da consciência.

A deterioração dos níveis de vida (saudada, mesmo que tacitamente, por alguns como “quanto pior, melhor”) não se traduz mecanicamente em uma melhora da força política da esquerda em reação aos ataques do capital. Muito pelo contrário, dependendo do tipo de intervenção há um risco de isolamento, com perda de espaços de representação e credibilidade junto aos trabalhadores.

O número de desfiliação sindical aumenta a cada dia. E, isto, não é apenas em razão das direções burocráticas e pelegas.

Mesmo nos atos “Fora Bolsonaro”, as propostas mais avançadas do ponto de vista da idealização revolucionária, são, em grande medida, ignoradas, encontrando eco ou ressonância apenas entre os ativistas e militantes tradicionais e das organizações políticas.

Mesmo entre os supostos apoiadores da esquerda ou no caso de muitos ativistas que se colocam nesse campo, no máximo se busca uma saída via o processo eleitoral.

Alertamos que esse imbróglio do agravamento da crise de alternativas socialistas tem relação direta com as novas formas de controle e dominação, adotadas pelo capital para fazer frente à sua “crise estrutural ”.

De acordo com o professor Andreas Bieler, em entrevista ao Brasil de Fato:

"Uma das formas de acumular capital é fazendo o trabalho ficar mais barato, o que é feito pela informalidade. Você transfere o risco da empresa para o indivíduo", disse. Uma das consequências desse processo, segundo ele, é um enfraquecimento da consciência de classe, porque os trabalhadores ficam mais inseguros e têm mais dificuldade de se organizar coletivamente.

Ainda, de acordo com o professor em sua entrevista:

Sem organização e com a qualidade de vida em queda, trabalhadores tornam-se suscetíveis ao pensamento conservador. "Quando as pessoas têm seu meio de vida ameaçado, elas se tornam potencialmente abertas ao discurso da direita", concluiu. (Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2019/12/16/neoliberalismo-enfraquece-a-consciencia-de-classe-afirma-economista-britanico/. Acesso em: 23/02/2022).

Por conta disso, entendemos que a relação entre as “condições objetivas” e “condições subjetivas”, precisam ser mais bem compreendidas nesse contexto de agravamento da “crise estrutural do capital” e da “crise de alternativas socialistas”, pois estamos diante de desafios ainda mais complexos, com inúmeras contradições que independem do nosso controle e vontade política.

Situar a análise marxista nessa perspectiva nos possibilita compreender os limites atuais assim como as possibilidades de explorar a brechas existentes, com o alinhamento das nossas ações políticas no enfrentamento e na superação da ordem do capital que, infelizmente, não está na primeira esquina.

Assim, os desafios para os movimentos sociais neste ano são múltiplos mas podem se dividir em três dimensões principais


PARA OS MOVIMENTOS SOCIAIS, DESAFIOS TÊM TRIPLA DIMENSÃO:

1 - Uma forte campanha de diálogo com a população no sentido da necessidade de se derrotar Bolsonaro e a ultradireita por ser o polo mais reacionário e mais endurecido da burguesia, mas também as pseudoalternativas da chamada 3ª Via. Neste sentido a vitória eleitoral de Lula, mesmo com todos os seus (muitos) problemas tem valor tático, representando um passo inicial ao retirar Bolsonaro e seus asseclas do poder executivo, mas de forma alguma dá qualquer garantia da redução da força parlamentar e extraparlamentar da direita e extrema-direita.


2 - É preciso construir um movimento combinado de resistência atual mas também já preparando para o enfrentamento no próximo período, mesmo em um eventual governo Lula: Contra as privatizações, concessões e o modelo de empresas-mistas; Defesa do SUS; Contra Reforma do Ensino Médio; Defesa dos povos originários, contra o garimpo e o avanço da fronteira do Agronegócio; Contra os cortes sociais para pagamento dos juros da Dívida Pública; Taxação das grandes fortunas e lucros para garantir uma Renda Mínima Básica de 1 salário Mínimo; Reverter as Contrarreformas e outras medidas destrutivas tomadas desde o governos Temer.


3 - A construção de alternativas práticas não apenas no terreno das lutas como o Fórum em Defesa dos Direitos e Liberdades Democráticas, mas experiências e iniciativas independentes que busquem os caminhos da solidariedade de classe, de formas de produção e de economia para além do mercado e do capital, ou com redução do seu alcance. Importante para isto, a construção de canais de comunicação e troca de experiências entre coletivos e organizações populares e anticapitalistas.

28/02/2022


PARA UM NOVO COMEÇO – Centro Político Marxista

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