2º TURNO DAS ELEIÇÕES NO BRASIL: DESAFIOS E PERSPECTIVAS
- paraumnovocomeco
- 19 de out. de 2022
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19/10/22

No dia 02 de outubro o resultado das eleições presidenciais, estaduais e legislativas trouxeram uma confirmação e uma ingrata surpresa. A confirmação é a de que Lula realmente era a opção majoritária, tal como as pesquisas apontavam: ficou em primeiro lugar, a meros 1,5% de ganhar no 1º turno. A ingrata surpresa foi que o apelo popular e o enraizamento da extrema-direita é muito maior do que suspeitávamos. Bolsonaro, que as pesquisas indicavam estar cerca de 11 pontos percentuais atrás de Lula, ficou a apenas 5 pontos percentuais.
O CONGRESSO QUE SAI DAS URNAS
Diversos candidatos que foram ministros de Bolsonaro e compõem um núcleo fiel do bolsonarismo foram eleitos (Gen. Mourão, Damares Silva, Marcos Pontes, Tereza Cristina, Ricardo Salles…) e o partido pelo qual Bolsonaro concorreu (o PL) elegeu a maior bancada, com 99 deputados federais eleitos. Com isso podemos dizer que, diferentemente de 2018, a extrema-direita agora tem uma bancada minimamente orgânica no Senado e no Congresso Federal. A coligação que apoia Bolsonaro (PL, PP e Republicanos) obteve 187 cadeiras, havendo ainda 59 eleitos pela União Brasil (terceira maior bancada), demonstrando uma ainda maior deriva para a direita de um Congresso já altamente conservador.
Como consequência, a maior votação em Lula para presidente não se traduziu em uma maior eleição de parlamentares no campo da esquerda e centro-esquerda, que se coligaram para apoiar o candidato do PT. O PT ficou com a segunda maior bancada (68 eleitos), significativamente atrás do PL, e a coligação de partidos que apoiaram Lula elegeu no total 122 deputados, aos quais é possível que se aliem ao menos parte dos 17 deputados eleitos pelo PDT (que declarou apoio a Lula no 2º turno após seu candidato, Ciro Gomes, ter ficado em 3º lugar). O PSOL, partido mais a esquerda no Congresso, teve um pequeno crescimento de 11 para 13 deputados, mas basicamente às custas da reeleição de seus parlamentares.
O grande derrotado no 1º turno é PSDB, que representava a direita liberal, o “centro” na concertação política que dominou a maior parte da Nova República a partir de 1988. De segundo maior partido em intenções de votos nas campanhas presidenciais e principal adversário do PT, o PSDB sofreu uma intensa desidratação, com perda de membros importantes (como Alckmin que migrou para o PSB e é candidato a vice de Lula), perda de assentos no Congresso e Senado, e possivelmente deve se fundir a outro partido.
SOBRE OS NÚMEROS DA ELEIÇÃO
Deve-se notar, entretanto, que esta eleição teve alto percentual de abstenção: 20,9 % (31,2 milhões de eleitores) não compareceram à votação. Isto pode corresponder a uma rejeição do processo eleitoral em si, mas também à dificuldade de deslocamento às seções eleitorais por causa do alto custo do transporte e da queda do nível de renda. Some-se a isso o percentual de votos nulos e brancos (4,4%, correspondendo a 5,4 milhões de eleitores) e temos mais de 36 milhões de eleitores não votando em nenhum candidato. Em uma eleição marcada pela intensa disputa entre os dois candidatos principais temos o indicativo de uma crise na representatividade da eleição em si.
Retrospectivamente podemos dizer que a eleição de Bolsonaro selou o sepultamento do arranjo político criado a partir da Constituição de 1988 (já ferido de morte no golpe parlamentar de 2016) e mostra que a extrema-direita se apresenta no cenário político brasileiro não como uma onda que pode passar, mas como um pântano que pode nos afogar.
A extrema-direita encontra-se organizada (embora não em um partido só) e possui um apoio de massa no país. A despeito de sua composição heterogênea ela agrega pautas anti-democráticas, autoritárias, reacionárias e discriminatórias que mobilizam constantemente cerca de 30% dos eleitores brasileiros. A pauta neoliberal assegura o apoio de grande parte da classe média e alta, mas as pautas reacionárias e conservadoras, via as igrejas evangélicas de denominação pentecostal, tem aderência de boa parte das classes populares.
O AVANÇO POPULAR DA EXTREMA-DIREITA
E aqui precisamos apontar que, se a extrema-direita obteve tal enraizamento, é porque há anos investiu naquilo que a esquerda secundarizou: o trabalho político-ideológico de base. Com a opção pela restrição da luta política apenas aos canais institucionais, pautada pela agenda eleitoral e centrada na ação via gabinetes parlamentares e instância governamentais, a esquerda institucional se tornou apenas isso para grande parte da população: apenas mais um dos partidos a disputarem cargos e privilégios, ainda que com ações minimizadoras dos aspectos mais danosos da intensa desigualdade social brasileira. Com a crise econômica decorrente da recessão mundial iniciada em 2008 mesmo as ações reformistas leves entram em cheque.
Enquanto isso a tarefa de organização, acolhimento, formação e socialização que foi subalternizada pelas entidades sindicais e movimentos populares passa a ser assumida por parcela das instituições religiosas evangélicas que tem por cerne uma visão reacionária e discriminatória do Evangelho e cuja teologia da prosperidade casa bem (e é em boa parte fruto) com a ideologia neoliberal. Estas instituições têm uma grande inserção nas camadas populares da população brasileira, constituindo os cristãos evangélicos a parcela religiosa de maior percentual de crescimento, já sendo mais de 30% da população.
É importante sinalizar que as instituições evangélicas são heterogêneas, indo da pequena igreja de bairro que se mantém pela solidariedade dos fiéis até as grandes empresas transnacionais da fé (como a Igreja Universal do Reino de Deus), com diferenças doutrinárias entre si e que não há, em geral, uma correspondência mecânica entre o alinhamento político do pastor/dirigente e o comportamento eleitoral dos fiéis. No entanto, pelo maior peso das denominações pentecostais de perfil conservador (e, pela sua origem majoritariamente estadunidense, fortemente anti-comunistas), há uma hegemonia do pensamento conservador na população evangélica. Além disso, observa-se a partir da eleição de Bolsonaro uma maior liberdade de pastores e dirigentes em transformarem seus púlpitos em palanques políticos, usando de sua ascendência moral (justificada por argumentos teológicos) para dirigir o posicionamento dos fiéis. Isto gera, inclusive, o fenômeno dos “desigrejados”, evangélicos que optam por exercer sua fé por fora das igrejas por conta do ambiente tóxico que vivenciaram.
Se a agenda propositiva da extrema-direita incorpora pautas que atentam diretamente contra os interesses materiais das classes populares (privatização da educação e saúde, fim dos sistemas de seguridade social, desregulamentação do trabalho etc.) o seu apoio nestas camadas é obtido pela mobilização dos afetos via as pautas morais conservadoras mediadas pelas instituições religiosas e de categorias (como as de policiais e forças de segurança, associações de militares etc.). A utilização hábil das redes sociais, que baseiam seus algoritmos na interação mediada pelos afetos e não pelo discurso racional, gera “bolhas” de usuários submetidos a um bombardeio continuado de postagens que desqualificam os veículos da mídia tradicional, promovem figuras de autoridade (o pastor, o general, o pretenso especialista…) e divulgam a pauta conservadora.
Esta estratégia não é nova nem original: ela é utilizada pela extrema-direita em todo mundo e divulgada e ensinada por ideólogos como Steve Bannon e o falecido Olavo de Carvalho. Aproveitando-se do fato de que mesmo os planos básicos de celular oferecem acesso gratuito ao Whatsapp, Facebook e Youtube (tendo, portanto, acesso fácil nas camadas populares) a extrema-direita cria grupos e bolhas nas quais faz postagens direcionadas e adaptadas ao público-alvo.
Neste contexto as perspectivas para os resultados do segundo turno das eleições são ambas problemáticas, embora em níveis diferentes. Uma vitória de Bolsonaro representará uma derrota estratégica da esquerda e, inclusive, do liberalismo político. As sinalizações de Mourão e Bolsonaro de que, se ganharem no segundo turno, irão “enquadrar” o STF mediante o aumento de ministros a serem nomeados mostra que a lição de Victor Orbán (Hungria) e Nayib Bukele (El Salvador) foi bem aprendida: obtida a presidência manobra-se para ganhar maioria no Legislativo e, em seguida, controla-se o Judiciário. O modelo liberal da independência dos poderes (uma ficção na prática, mas que, bem ou mal, balizava as disputas políticas) é destruído e instala-se um regime autoritário fantasiado de democracia, com eleições tuteladas e manipuladas a intervalos regulares. Neste sistema a oposição, a imprensa não alinhada ao Estado, as instituições acadêmicas são todas perseguidas e submetidas aos ditames do regime. Os movimentos populares seriam criminalizados, perseguidos, seus dirigentes presos e/ou assassinados (como já o são). Teríamos pela frente uma luta de anos, sob condições extremamente adversas – mais até do que durante a ditadura civil-militar – para derrotar o regime de direita.
PORQUE É IMPORTANTE VOTAR EM LULA NO 2º TURNO
A eleição de Lula permitirá não a reversão das medidas anti-populares, mas um melhor espaço para a luta contra estas medidas. Pelas suas alianças para vencer no 2º turno, que incluem economistas e políticos neoliberais e setores do agronegócio, um governo Lula-Alckmin será, como mais provável, um governo de centro-direita e na melhor das hipóteses, caso venha a ser pressionado por grandes mobilizações dos movimentos populares pode ir até a centro-esquerda. Em qualquer caso terá uma base parlamentar minoritária. Enfrentará desde o início uma oposição ferrenha da direita e extrema-direita, que manterá mobilizada sua base para tentar inviabilizar o governo petista para pavimentar sua volta ao Planalto.
Devido às dezenas de denúncias de corrupção contra si, familiares e aliados há grande possibilidade de que Bolsonaro venha a enfrentar investigação e até mesmo prisão após deixar o cargo; neste caso veríamos, ao lado da tentativa da extrema-direita em transformá-lo em “perseguido político”, a luta interna pela liderança do movimento.
Ao mesmo tempo, devido à fragilidade e heterogeneidade de seu governo, é muito provável que vejamos as tentativas do PT e seus aliados de garantirem o comando sobre as lideranças de sindicatos e movimentos populares e desqualificarem quaisquer iniciativas de lutas autônomas por bandeiras que tentem garantir as pautas de esquerda. Numa utilização invertida da ameaça propagandística da direita sobre a “volta do PT” não devemos nos admirar que lutas por reivindicações populares sejam chamadas de “irresponsáveis” e que possam levar há “volta de Bolsonaro” (nem que analistas venham a classificá-las de “táticas de guerra híbrida”).
Mesmo assim, cientes de todas as deficiências e insuficiências de um novo governo petista, a única posição estratégica aceitável no momento é tentar garantir a derrota eleitoral de Bolsonaro e a eleição de Lula. Não vai nesta posição qualquer ilusão quanto ao caráter de um governo Lula, mas sim a consciência de que ele será melhor para o prosseguimento das lutas populares a partir de primeiro de janeiro, de que a saída do Planalto de Bolsonaro e sua gangue nos dará algum fôlego para prosseguir a luta.
PARA ALÉM DO VOTO EM LULA NO 2º TURNO
Mas se vamos apoiar a eleição de Lula no 2º turno não devemos nos limitar ou submeter ao programa que a chapa Lula-Alckmin propõe, devemos apoiá-la mas deixando bem claras as nossas bandeiras e que estas serão cobradas desde o primeiro dia de governo:
- Pela reversão da Reforma Trabalhista e do Teto de Gastos de Temer e Bolsonaro!
- Não à Reforma Administrativa proposta na PEC 32!
- Não ao Marco Temporal! Demarcação já das terras indígenas!
- Manutenção do auxílio emergencial e sua expansão para um programa de redistribuição de renda e renda mínima!
- Contra as privatizações e pela investigação das já realizadas
- Defesa do SUS, contra os projetos de privatização e cortes de verbas, pelo maior financiamento da Saúde
- Pelo aumento do orçamento para a Educação e Pesquisa públicas
- Por um sistema fiscal progressivo. Pela taxação das grandes fortunas e dos dividendos financeiros!
- Pela auditoria da dívida pública aos grandes investidores!
- Pela institucionalização do casamento igualitário na Constituição
- Pela recriação dos conselhos extintos por Bolsonaro
- Contra o “Novo Ensino Médio”! Por um novo programa educacional discutido com professorxs estudantes e entidades!
- Pela criação de uma Comissão da Verdade da Pandemia, com reais poderes de investigação, denúncia e criminalização.
PARA UM NOVO COMEÇO - Centro Político Marxista
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