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2020 PÓS-MACRI - RELATO DE UMA VIAGEM À ARGENTINA

  • paraumnovocomeco
  • 6 de abr. de 2021
  • 6 min de leitura

23/01/2020


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Compa Armando, do “Para o Novo Começo”, viajou à Argentina e conta como estão as coisas por lá:


Em 10 de dezembro do ano passado (2019) assumiu o governo de Alberto Fernández e Cristina Kirchner, e os sentimentos que a ampla maioria da população expressava nesse dia e nas semanas seguintes, eram de alegria, triunfo, expectativa, e também de moderada esperança. Essas sensações correspondem, por um lado, à vitória objetiva que significou impor uma severa derrota ao macrismo - embora tenha sido por uma diferença menor que a esperada -, e assim conseguir se livrar da ameaça de ter que suportar um novo período de um governo que nunca hesitou em aplicar os mais duros planos de ajuste neoliberais. Por outro lado, as moderadas expectativas, derivam de uma consciência geral de que o país enfrenta uma situação econômica e social extremamente grave, pode-se dizer crítica.

Alguns indicadores: A pobreza na Argentina, segundo o INDEC (Instituto Nacional de Estatísticas e Censo), subiu em dezembro atingindo 38% da população, sendo que entre os jovens e adolescentes menores de 14 anos essa cifra chega a ser de 52 %. Ou seja 1 a cada 2 jovens vive em situação de pobreza. Esse índice da pobreza subiu 10 % só nos últimos 4 anos. Isto revela também uma deterioração social profunda. São milhões de pessoas que foram expulsas do mercado de trabalho, que vivem - ou sobrevivem -, com trabalhos informais e “bicos” de todo tipo, e dependem dos planos governamentais de ajuda social. A situação geral da economia se caracteriza por uma combinação de altíssima inflação - fechou 2019 com um índice por volta de 54% -, com uma recessão também muito grave. As indústrias que mais sofreram são as PYMES (Pequenas e Medias Empresas) que, não encontrando mercado para colocar seus produtos e afogados pelas dívidas, muitas acabaram fechando suas portas. Calculava-se que fechavam 45 dessas empresas por dia nos piores meses da crise. A outra grande frente de crise é a monumental dívida externa deixada pelo governo de Macri. Atualmente ela alcança os US$ 276 bi, sendo que mais do 60% dessa dívida é com o FMI. E uma reclamação permanente do atual governo é que não é apenas uma dívida exorbitante, mas também que os compromissos de pagamentos tem prazos muito curtos. Então frente a esse panorama a maioria da população sabe ou pressente que vêm pela frente anos muito duros. Foi o próprio governo que se encarregou de deixar isto bastante claro. Por um lado, informando amplamente sobre os números desta catástrofe social, ou de “terra arrasada”, como falou em seu discurso o novo governador da província de Buenos Aires quando assumiu. E por outro, dizendo sem disfarces que não será nada fácil sair dessa situação, e que vai exigir muito sacrifício. De alguma forma, com esse discurso está se pré-anunciando o que vêm por aí.

As primeiras medidas A primeira medida que o novo governo tomou foi decretar a emergência social, desdobrada em diferentes planos. Emergência alimentícia, social, produtiva, sanitária, educativa, trabalhista, etc. etc. Seu discurso é bem simples e direto: o país está em emergência e vamos começar atacando a necessidade mais urgente que é a fome. Para isso tomou uma série de medidas, entre elas: - Emissão e distribuição de um cartão alimentação. Com ele as pessoas podem comprar alimentos nos supermercados. - Instaurou uma lista bastante grande de produtos de maior consumo popular com “preços fiscallizados”, que significa que esses produtos terão um preço de referência, e que não sofreriam aumentos. - Decretou o congelamento das tarifas dos serviços de gás, água, eletricidade por 180 dias. - Fez um acordo com os laboratórios para uma redução de 8 % nos medicamentos - Outorgou aumentos de salários por decreto, em acordo com os dirigentes burocratas da CGT (os mesmos que foram cúmplices do governo Macri para aplicar seus planos). - Decretou também aumentos para os aposentados que recebem menos. - Estabeleceu-se um limite de compra de US$ 200 no exterior por mês e por pessoa. E um imposto de 30% para compras em dólares no exterior. - Está aplicando uma Reforma Impositiva mediante a qual atualizou e aumentou levemente os impostos dos setores que mais acumularam lucros nos anos anteriores: latifundiários e grandes agroexportadores.

O que se pode esperar? Certamente essas medidas, entre outras adotadas, são apenas aspirinas para um país que sofre de graves feridas. Mas ao mesmo tempo indicam uma certa mudança das prioridades. E isso sim é percebido pela população como positivo. Espera-se que os efeitos dessas medidas comecem a se sentir no bolso e no dia a dia das pessoas. É como se aplicasse um torniquete numa ferida que está sangrando. Se isso acontecer, por pouco que signifique, com certeza vai reforçar o sentimento de esperança e de confiança em que a crise pode ser superada. Pelo menos nos primeiros meses. Do lado da oligarquia as respostas não demoraram a aparecer. Protestos, pressões e chantagens para frear as tímidas medidas de elevação das taxas de impostos aos mais ricos que se tenta aplicar com critérios “solidários” – como gosta de repetir sempre o novo presidente -, aconteceram e continuam acontecendo. Entretanto, toda a situação está completamente mediada e condicionada pela negociação da dívida com o FMI e os credores externos. Enquanto isso não acontecer não é possível saber quais serão as reais perspectivas e sobre tudo quais serão margens de movimento que poderá ter o novo governo. É necessário destacar que a Argentina ainda convive com o risco de entrar em “default” (não ter dinheiro para pagar as parcelas de juros e amortizações da dívida) Por outro ponto de vista, é bom não esquecer que os trabalhadores e o povo argentino têm uma capacidade de mobilização importante e que ela aparentemente está intacta. Prova disso foi o primeiro atrito que aconteceu na província de Mendoza, onde milhares saíram nas ruas e se enfrentaram com a polícia protestando contra a modificação de uma lei que proibia o uso de sustâncias químicas para a atividade de mineração. A consciência ecológica e de defesa do meio ambiente nesses lugares é alta, e faz anos que se mobilizam em defesa da água e da natureza. O resultado dessa luta foi uma vitória: o governo da província acabou retirando a proposta de modificação dessa lei. Mas seguramente continuará com suas tentativas e buscará outras vias para impor seu plano extrativista. E essa será seguramente uma frente de conflito também com o governo nacional, pois na sua urgência de captar dólares para pagar as dívidas, não vai duvidar em forçar planos de extração de petróleo, ouro, e outros recursos, ainda que isso comprometa o equilíbrio ecológico e a preservação da natureza. A modo de conclusão, posso dizer então que o futuro a curto e medio prazo é muito incerto. O governo estará tentando fazer equilibro entre os diferentes, e muito conflituosos interesses das classes no país, ao mesmo tempo que tentará estabelecer uma negociação com o imperialismo – que se apresenta muito dura - tentando salvar uma posição de relativa independência política. Embora ainda seja muito cedo para fazer qualquer prognóstico, penso que podemos trabalhar com a ideia de meses, e talvez anos, em que será necessário desenvolver um árduo debate ideológico sobre qual e como deveria ser implementada uma verdadeira perspectiva para tirar o país do poço aonde foi jogado. E também se o capitalismo ainda tem capacidade de apresentar uma versão diferente ao chamado neoliberalismo. Ou se, pelo contrário, este sistema está irremediavelmente condenado a trazer só misérias e sofrimentos para os trabalhadores e a para a ampla maioria da população, embora nos processos eleitorais sempre apresentem algumas diferentes versões de governos, como o atual em Argentina, mas que, como não pretendem romper e ultrapassar os limites do capitalismo, não representam mais que ilusões que logo de desvanecem como bolhas de sabão. As cifras da pobreza na Argentina não são muito diferentes das da maioria dos países de nossa América. As lutas ideológicas e as outras, as que se travam na rua, serão as que deverão ir marcando o rumo. E para finalizar quero ressaltar que em outros temas que são muito importantes também, como Direitos Humanos, Direitos da Mulher, Aborto Legal, Diversidade e Cultura, entre outros, o panorama é claramente mais alentador, pois os nomes designados para ocupar os diferentes ministérios, e as políticas que estão sendo definidas, refletem uma orientação mais progressista, e abrem uma perspectiva diferente frente ao feroz retrocesso que nesse campo também se viveu sob o macrismo.

Janeiro/2020

 
 
 

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