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RESUMO DAS DISCUSSÕES DO SEMINÁRIO TEORIA MARXISTA DA DEPENDÊNCIA E REALIDADE BRASILEIRA

  • paraumnovocomeco
  • 28 de fev. de 2021
  • 15 min de leitura

10/08/19


Síntese feita por Luiz Souto


A) INTRODUÇÂO A Teoria Marxista da Dependência (TMD) surge no final da década de 1960 e início da de 1970 como resposta às insuficiências das teorias do desenvolvimento que surgiram após o final da 2ª GM e que buscavam apontar a forma como as economias dos países periféricos poderiam alcançar o desenvolvimento econômico ao nível dos países de capitalismo central. As duas principais correntes contra as quais a TMD volta sua crítica é a corrente desenvolvimentista, ligada à Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL) e a corrente ligada aos PC latino-americanos pró-soviéticos. A corrente cepalina advogava que a condição de subdesenvolvimento dos países da AL se devia ao não investimento em infraestrutura e indústrias de base que permitissem, ao ser atingido um certo grau de crescimento, um desenvolvimento industrial sustentável e a superação do subdesenvolvimento. Preconizavam a ação estatal como fomento à industrialização através realização de obras de infraestrutura, da criação de empresas estatais e financiamento de setores econômicos. As correntes ligadas aos PCs consideravam que o atraso econômico se devia ao fato de não se ter completada a evolução para uma economia capitalista plena, persistindo setores econômicos agrários ‘feudais” que atuavam para frear o desenvolvimento, em aliança com o imperialismo. Em virtude disto defendiam uma estratégia em etapas inicialmente com o apoio á burguesia nacional, que seria progressista, para levar a cabo o desenvolvimento do capitalismo, a criação de uma classe operária e permitir em uma etapa futura poder iniciar a luta pelo socialismo. A observação de que as políticas de industrialização preconizadas pelos desenvolvimentistas não reduziam a desigualdade e a miséria e que as políticas dos PC causavam ilusão em relação ás burguesias nacionais e conduziam a derrotas políticas levou os intelectuais militantes como Ruy Mauro Marini, Vania Bambirra e Theotonio dos Santos a reverem as bases teóricas destas correntes e proporem uma teoria alternativa. Todos os três faziam parte da Política Operária (POLOP), organização de esquerda crítica à linha adotada pelo PCB e que são obrigados a se exilarem após o golpe militar de 1964. A partir de seus estudos e reflexões elaboram as bases de uma teoria marxista que explica que os países da América Latina não são “subdesenvolvidos”, no sentido de que “não são capitalistas o suficiente” e que poderiam atingir o desenvolvimento econômico capitalista como os países centrais, mas países dependentes, que estão inseridos plenamente dentro do sistema capitalista mundial de forma subordinada, cumprindo uma função dentro da estrutura deste sistema e cuja condição de países capitalistas dependentes só pode ser superada com a ruptura com o capitalismo.


B) SUBDESENVOLVIMENTO, DEPENDÊNCIA E O INIMIGO IMEDIATO No livro organizado por Michel Löwy O Marxismo na América Latina – uma antologia de 1909 até os dias atuais (Fundação Perseu Abramo, 1999) encontramos dois textos a seguir analisados. Em 1970 Theotonio dos Santos publica em uma revista chilena um texto, Subdesenvolvimento e dependência, em que analisa como a teoria da dependência surge como ruptura metodológica e política com as teorias do desenvolvimento. Partindo do fato de que as expectativas em relação aos efeitos da industrialização não se concretizaram, os modelos de desenvolvimento elaborados a partir da década de 1950 são criticados. A primeira conclusão a que se chega é que a dependência não é um “fator externo” mas uma condição que configura certo tipo de estruturas internas que estão ligadas à formação, expansão e consolidação do mercado capitalista mundial sem serem seu mero efeito, mas parte integrante do sistema capitalista mundial. A dependência deve ser caracterizada primeiramente como uma situação condicionante, os países dependentes têm sua economia condicionada ao desenvolvimento e expansão de outros países, aos quais estão submetidos, ou seja “a dependência baseia-se em uma divisão internacional do trabalho que permite o desenvolvimento industrial de alguns países e limita este mesmo desenvolvimento em outros, submetendo-os às condições de crescimento induzido pelos centros de dominação mundial”.(p. 379) Ao mesmo tempo Theotonio faz uma crítica aos autores marxistas da teoria do imperialismo – Lenin, Bukharin, Rosa Luxemburgo – por não terem compreendido a questão da dependência do ponto de vista dos países dependentes o que levou a equívocos. Como exemplo cita a suposição de Lenin de que o investimento pelo imperialismo de capitais nos países periféricos levaria ao desenvolvimento industrial destes e ao parasitismo e estagnação nos países centrais; uma análise das consequências dos investimentos de capitais nas economias dependentes mostraria que eles reforçam o caráter de dependência. Para uma análise realista é necessário integrar a perspectiva dos países dependentes á análise do sistema capitalista global e à do imperialismo. No seu texto O Inimigo Imediato, apresentado em um congresso em Cuba em 1968, André Gunder Frank busca apresentar uma perspectiva estratégica para a luta anti-imperialista na América Latina diferenciando um inimigo imediato e um inimigo principal. O inimigo imediato na luta contra o imperialismo é a burguesia nacional. Para chegar a tal conclusão ele parte de uma diferenciação entre estrutura de classes e estrutura colonial. A estrutura de classes corresponde à relação do povo com os meios de produção e ao seu papel no sistema de produção. Por outro lado a estrutura colonial corresponde à vinculação de lugares, grupos e setores raciais ou étnicos à um sistema de exploração da colônia pela metrópole. A estrutura de classes e a estrutura sociocultural na América Latina foi formada e transformada pela estrutura colonial, constituindo uma rede em que a metrópole imperialista explora o país dependente como uma colônia e este, por sua vez, realiza um colonialismo interno em áreas subalternas do próprio país (hinterland). Isto leva, segundo Gunder Frank, a que se constitua “uma rede colonial que se estende sem interrupção do centro imperialista à região rural mais isolada da América Latina ou de outros países subdesenvolvidos” (pg. 372) Assim as burguesias nacionais encontram-se aliadas e integradas ao imperialismo e constituem o inimigo imediato a ser combatido, pois as contradições da população com a exploração por sua burguesia fazem com que a luta contra ela seja mais palpável que contra um inimigo estrangeiro, exceto nos casos em que o país esteja sob intervenção imperialista direta. Daí Gunder Frank afirmar que, ainda que o imperialismo seja o inimigo principal “a mobilização popular contra o inimigo de classe imediato nos níveis nacional e local gera um desafio mais poderoso e provoca um confronto mais importante com o inimigo principal colonial ou imperialista do que a mobilização direta contra o inimigo imperialista”.(pg. 373) Em virtude do contexto latino-americano na década de 1960, Gunder Frank identifica as regiões rurais como locais privilegiados de luta contra a burguesia nacional ligada ao latifúndio, pela opressão direta sofrida pelo povo, o que justifica a opção pela estratégia de guerrilha como forma privilegiada de luta revolucionária.


C) SOBRE SUPEREXPLORAÇÃO E CAPITALISMO DEPENDENTE Como continuidade do estudo que ora realizamos da TMD sintetizamos o artigo de Jaime Osório intitulado “Sobre surperexploração e capitalismo dependente”, escrito em 2018. Destacaremos pontos que achamos importantes para aprofundarmos a compreensão desta teoria. Em seu artigo, Jaime Osório crítica às teses marxistas que “sustentam que Marx não teria deixado dúvidas de que a força de trabalho de nosso tempo é remunerada pelo seu valor (...)”, o que levaria ao abandono da “categoria de superexploração.” Osório demonstra que essa “violação do valor da força de trabalho é um problema inscrito na teoria marxista e presente em O Capital”. Prosseguindo em sua análise, Osório nos mostra “a relevância da noção de capitalismo dependente e seu significado para entender as particularidades desse capitalismo, que o separa das trajetórias e objetivos do capitalismo desenvolvido”. Damos ênfase ao entendimento do papel objetivo da “categoria de superexploração” na determinação histórico-social dessa forma particular de capitalismo, denominada de capitalismo dependente, bem como a sua importância na manutenção do sistema mundial do capitalismo. Isto se deve, pelo fato de que: “No capitalismo dependente, existem condições objetivas para que a superexploração se constitua como um mecanismo fundamental de exploração por parte do capital.” (p. 492) Dentre as condições objetivas, destacam-se os seguintes fatores: “a vocação exportadora”; “perdas sofridas (...) no mercado mundial, por meio da troca desigual e outros tipos de transferências” e, “a presença de uma extensa superpopulação relativa”. O capitalismo, enquanto um sistema mundial, criou uma “unidade diferenciada” de funcionamento, que se expressa no “capitalismo dependente” através do estabelecimento de uma “modalidade de exploração redobrada”. É por isso, que “(...) para a reprodução do capital no capitalismo dependente, a superexploração é fundamental.” (p. 495) Daí a “relevância do capitalismo dependente para favorecer a acumulação mundial do capital e para explicar por que a queda da taxa de lucro “não é maior nem mais rápida” no conjunto do sistema mundial”. (p. 498) Encerramos com uma citação de Marini indicada por Osório que ao nosso ver é bem reveladora sobre o importante papel cumprido pela superexploração no capitalismo dependente para que o capitalismo continue se reproduzindo de modo mundializado. “É nesse sentido que a economia dependente – e, por consequência, a superexploração do trabalho – aparece como uma condição necessária do capitalismo mundial, contradizendo àqueles que [...] a entendem como um fenômeno acidental no desenvolvimento deste.” (Marini, [1973, p. 91] 2005, p. 188)


D) SUBIMPERIALISMO Prosseguindo na análise das categorias da TMD abordamos o conceito de subimperialismo a partir das análises realizadas por Adrián Sotelo Valência em seu livro Subimperialismo e Dependência na América Latina – o pensamento de Ruy Mauro Marini (Expressão Popular, 2019), especificamente no capítulo 4. A definição de subimperialismo pode ser apresentada como: a forma que assume a economia dependente ao chegar à etapa dos monopólios e do capital financeiro a partir de duas premissas: uma composição orgânica média em escala mundial dos aparatos industriais nacionais e uma política expansionista relativamente autônoma mas que se mantém no marco da hegemonia exercida pelo imperialismo a nível mundial. Para construir este conceito Marini parte da constatação inicial de que o capitalismo, enquanto modo de produção e reprodução do capital e das relações sociais e humanas, constitui um único sistema praticamente planetário e, neste sentido, eminentemente global. Isto é uma característica aguda da época atual. No passado o capitalismo se desenvolvia sobre áreas subdesenvolvidas e dependentes que eram áreas pré-capitalistas para o sistema produtivo. Hoje com o capitalismo tendo se imposto em escala planetária, com sua economia integrada e fechada organicamente, sua expansão se dá dentro de seus próprios setores e limites. Isto leva a uma limitação maior da possibilidade de expansão do subimperialismo aos países periféricos. Ao apresentar os esquemas de reprodução do capital Marx postulou as seguintes premissas: a) tendência do capitalismo em transformar toda produção em produção de mercadorias – mercantilização progressiva de todos os setores da vida b) existência de duas classes fundamentais: burguesia e proletariado c) reprodução do capital sobre a base da invariabilidade da duração, da intensidade e da produtividade da jornada do capital. Para Marini a análise concreta do capitalismo exige a modificação dos pressupostos da reprodução do capital, em especial, o pressuposto da produtividade constante. Só a partir da teoria do valor-trabalho combinada com a teoria da mais-valia é que se pode estabelecer a relação dialética que existe com a tendência decrescente da taxa de lucro descoberta por Marx. A conclusão de Marini é que os esquemas de reprodução são instrumentos analíticos úteis mas não tem validez própria. Para Marini a diferença entre a época atual e o passado é que em termos de extensão não há mais áreas não capitalistas ou pré-capitalistas, em termos de profundidade o volume de capitais circulantes é muito maior e por último a movimentação de capitais se dá através de novas tecnologias. Em relação ao problema de realização de mercadorias no capitalismo a utilização do termo “ crise de superprodução de mercadorias” escamoteia a desproporção entre oferta e demanda efetiva; da mesma forma a utilização do “subconsumo” é uma fórmula superficial para expressar a queda na renda e consumo da classe trabalhadora. Marini aponta para o divórcio entre a produção e as necessidades de consumo das massas no capitalismo dependente já que este está ligado á satisfação das classes sociais médias e altas. Há uma relação dialética entre o processo de industrialização e o desenvolvimento tecnológico com uma contradição entre o aumento da escala produtiva e a limitação do mercado interno dos países dependentes, daí o movimento crescente de exportação de mercadorias e capitais para destinar a realização das mercadorias cada vez mais no mercado internacional. Constituem elementos essenciais para a constituição do subimperialismo: a) consumo suntuário destinado às classes médias e altas b) exportações como fator de realização da produção interna c) o Estado como fator de investimento e multiplicador de demanda No processo da formação do subimperialismo o papel preponderante pertence ao Estado mas não há superação da dependência estrutural, que sobredetermina o processo. A elevação do nível tecnológico do país dependente se confronta com o fato de que a necessidade de técnicas e equipamentos mais elaborados se choca com o monopólio destes pelos países desenvolvidos. A superação da dependência tem como premissa romper com o monopólio em termos de pesquisa e desenvolvimento dos países desenvolvidos. Estes transferem para os países dependentes as indústrias menos intensivas em conhecimento e/ou dividem entre diversas nações as etapas da produção, impedindo o surgimento de economias nacionalmente integradas; esta última característica é a distintiva do desenvolvimento dos países capitalistas avançados. Além disso os países dependentes podem copiar dos países desenvolvidos o descartável mas não a matriz da unidade técnico-científica e a acumulação de capital baseada nestas cópias do descartável logo entram em obsolescência. O subimperialismo usa as contradições interimperialistas para alavancar relativamente seus próprios projetos de desenvolvimento expansionista sem porém superar sua dependência. Como premissa o subimperialismo precisa de um Estado forte que disponha de autonomia relativa frente ao imperialismo, já que o Estado desempenha papel estratégico e fundamental para a expansão do fenômeno subimperialista. Para Marini, na América Latina, apenas o Brasil conseguiu se constituir em nação subimperialista Além das premissas anteriormente apresentadas, há cinco aspectos específicos da industrialização dependente que configuram um sistema subimperialista: a) configuração do país dependente como um subcentro regional b) unidade das diversas frações burguesas com postergação de suas contradições internas c) elaboração de um projeto específico político-ideológico nacional subimperialista d) configuração de monopólios ou trustes capitalistas nacionais (empresas translatinas) e) simultaneidade da transferência de valor do país dependente aos países centrais e da apropriação de valor e mais-valia dos países mais débeis em favor da burguesia subimperialista Para Marini o fenômeno do subimperialismo não tem origem em um problema de circulação ou de estreiteza de mercados, mas nas dificuldades de realização em decorrência das condições de dependência estrutural. Na economia dependente, na sua primeira fase, há o aporte de capitais estrangeiros que determinam transferências de mais valia, há a obtenção da mais valia extraordinária e geração da superexploração do trabalho; em decorrência ocorre a concentração de capitais e a monopolização precoce, acarretando o divórcio entre a estrutura de produção e as necessidades de consumo das massas. Na sua segunda fase, em virtude das distorções da distribuição de renda geradas na fase anterior, há o estímulo aos setores produtivos ligados ao consumo suntuário, gerando maior distorção e buscando mais mercados. Os limites encontrados por estes setores produtivos, tanto pelas transferências de mais valia quanto pela estrutura interna da renda levam à busca de mercado exterior para a realização das mercadorias.


E) TMD, MARX E O CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO No seu artigo publicado em 2018, A Teoria Marxista da Dependência à luz de Marx e do capitalismo contemporâneo, Carlos Eduardo Martins analisa os conceitos de superexploração da força de trabalho e subimperialismo, buscando atualizá-los à luz da configuração atual do capitalismo. Na primeira parte do artigo, dedicada a apresentar a contribuição de Ruy mauro Marini à economia política, o autor observa que Marx demonstra que em uma situação de concorrência, após a circulação, há a transferência de valor do capital de menor produtividade para o de maior produtividade. Também, pelo conceito de mais-valia, em Marx a força de trabalho, considerando o conjunto da classe trabalhadora e o longo prazo, tem seu preço equivalente ao seu valor. Para Marini é preciso ir além desta formulação e considerar duas formas de exploração do trabalho: a obtida através do aumento produtividade e a obtida por uma maior exploração do trabalhador, a superexploração. A superexploração é definida como a remuneração da força de trabalho abaixo de seu valor seja por aumento da jornada de trabalho, seja por aumento da intensidade do trabalho sem remuneração equivalente ou seja por apropriação de seu fundo de consumo por redução salarial. As burguesias dos países dependentes buscam conseguir lucros extraordinários como forma de compensar as perdas decorrentes do fato de não poderem competir com aumento da produtividade. A superexploração da força de trabalho constitui uma forma de amenizar a queda da taxa de lucro. Além da transferência de valor das economias dependentes para as economias centrais através da diferença de produtividade há também a transferência através de remessa de lucros em virtude do peso do investimento de capital estrangeiro. Para ser possível a superexploração do trabalho é necessário um grande exército de reserva de trabalhadores, ou seja, a ocorrência de um desemprego crônico. Além disso torna-se necessário também a organização da repressão para coibir as revoltas ocasionadas perla desigualdade social e para reprimir as organizações de trabalhadores que lutem para contrapor às medidas de superexploração. Daí decorre que, nos países dependentes, as ditaduras (sejam explícitas ou disfarçadas) sejam a regra. A superexploração do trabalho leva a que ocorra nos países dependentes uma forte concentração de renda e desigualdade, o que impõe um sério limite ao investimento produtivo devido á limitação da realização das mercadorias no mercado interno, o que acarreta a tendência dos setores com maior produtividade a se voltarem para o mercado externo. Esta é a base para o surgimento do subimperialismo que, porém, depende da intervenção do Estado para se constituir. A inserção da economia dependentes como potência subimperialista esbarra, por sua vez, no obstáculo da dependência tecnológica, financeira e política em relação às nações imperialistas e na existência de um contexto geopolítico que permita uma autonomia relativa. Na segunda parte Martins aborda algumas críticas formuladas á TMD, seja por parte de críticos liberais, seja por parte de autores marxistas. Em relação aos liberais elenca a crítica de Fernando Henrique Cardoso e de José Serra a partir de um ponto de vista weberiano na qual, erroneamente, atribuem a Marini ter postulado que nos países dependentes havia um “capitalismo sui generis”. A partir deste equívoco argumentam que o capitalismo é um só e que baseia a extração do valor na mais-valia relativa, não existindo portanto a possibilidade da superexploração do trabalho exceto por intervenções políticas independentes da estrutura do capitalismo. Em relação aos autores marxistas há a crítica baseada na concepção de que, na definição marxista, o valor da força de trabalho é variável conforme as condições históricas e da luta de classe e que, portanto, a diferença da remuneração da força de trabalho entre economias centrais e dependentes se daria pelas condições diferentes e não por uma superexploração com pagamento da força de trabalho abaixo de seu valor. Também no campo marxista há questionamento se o conceito de superexploração pode ser estendido aos países centrais na atual configuração da divisão internacional do trabalho, como propunha Marini em seus últimos textos, ou se esta é específica do capitalismo dependente. Na última parte do artigo Martins observa que, embora não esteja em Marx, seu conceito não é incompatível com a economia marxista tendo em vista que Marx trabalhou com situações médias e é comparando o nível internacional médio de valor da força de trabalho que se pode constatar a existência da superexploração. Por outro lado aponta que Marini tendeu a considerar que a superexploração da força do trabalho poderia entrar em contradição com a mais-valia relativa, obstaculizando a passagem da mais-valia absoluta para esta, o que porém necessitaria a comprovação na análise de situações concretas de acumulação do capital e não apenas em nível abstrato. A partir da década de 1990 ocorre a extensão da superexploração da força de trabalho aos países de capitalismo central em virtude da distribuição das unidades produtoras em diversas partes do mundo, que pode ser constatado pelo aumento da desigualdade na Europa e EUA. Também a partir desta época a financeirização progressiva das economias e o aumento da importância do capital fictício leva a novas formas de transferência de valor, com papel fundamental exercido pelos Estados dos países dependentes através do aumento da dívida pública, que buscam responder à queda da taxa de lucro no setor produtivo. É com o objetivo de ampliar a financeirização da economia que se observa o avanço de políticas econômicas voltadas para a privatização das empresas públicas, dos serviços públicos (saúde, educação, segurança,..) e dos sistemas de previdência. A análise histórica do subimperialismo brasileiro demonstra que este sofreu um duplo fracasso desde a década de 1960. O período que compreende a ditadura militar termina com a derrota para o neoliberalismo que leva ao fim dos projetos de construção de uma indústria pesada nacional (especialmente no setor militar). No período que corresponde aos governos de Lula, onde houve a expansão subimperialista voltada para a América Latina e África, uma política exterior multilateral com afastamento relativo aos EUA pela abertura para a China e os BRICS e o apoio à fração industrial da burguesia além do controle estatal sobre os recursos naturais. Este período se encerra com o golpe de 2016 que leva ao poder os setores burgueses ligados ao capital financeiro e agro-exportador, com a volta ao uma maior alinhamento aos EUA na política externa e a alienação ao capital estrangeiro da exploração dos recursos naturais e o aprofundamento da financeirização da economia.


F) O CAPITALISMO DEPENDENTE NO BRASIL ATUAL A partir do artigo de Luiz Filgueiras, Padrão de reprodução do capital e capitalismo dependente no Brasil atual, passamos a considerar a forma que assume a dependência econômica brasileira no contexto atual. Inicialmente Filgueiras aponta que a partir do início da década de 1990 com o governo Collor há a progressiva subordinação do capital produtivo ao capital financeiro, mudança esta que prossegue nos governos de Fernando Henrique Cardoso e se consolida nos governos Lula e Dilma, prosseguindo após o golpe de 2016 no governo Temer. Dentro deste movimento é necessário considerar que em relação à financeirização há duas posturas: os governos Collor, FHC e Temer promovem ativamente o padrão de subordinação, enquanto os governos Lula e Dilma consideram que esta subordinação é irreversível e devem adaptar-se à ela. Como características do que o autor denomina de padrão liberal periférico da economia brasileira, dominante no Brasil a partir da década de 1990, são apresentados: - o desemprego estrutural - a expansão da terceirização e precarização do trabalho com a redução do papel dos sindicatos - predomínio do capital financeiro sobre o industrialização - predomínio do capital estrangeiro sobre o nacionalmente - fortalecimento dos setores de exportação de commodities e agroexportador - desindustrialização e aumento da dívida públicas - redução dos investimentos em ciência e tecnologia A forma de financiamento da acumulação no período se altera significativamente. Em lugar dos investimentos estrangeiros diretos e empréstimos internacionais ocorre o financiamento estrangeiro através de mecanismos financeiros (como Bolsa de Valores e Títulos da Dívida Pública) e uma redução acentuada dos financiamentos estatais verificada pela queda da taxa de investimento em relação ao PIB. Apesar de uma redução da pobreza absoluta e uma pequena melhora da distribuição de renda nos governos Lula e Dilma não houve no período alteração significativa da estrutura de propriedade nem da distribuição de renda entre capital e trabalho. Em virtude da redistribuição do poder entre as frações burguesas observa-se: um deslocamento do poder político real para fora das esferas institucionais tradicionais; o papel importante da grande mídia (altamente oligopolizada) na manipulação da opinião pública em prol da promoção do capital em geral e do financeiro em particular; “judicialização” da política e deterioração da democracia formal, levando a um processo que conduz a um Estado de exceção. Constitui-se um novo bloco no poder com a hegemonia da burguesia cosmopolita (associada ao imperialismo) e ligada ao capital financeiro, com importância crescente dos setores ligados á exportação de commodities e agroexportadores protagonizado por uma burguesia interna (mas não nacional, pois não tem contradições incontornáveis com o capital estrangeiro).

“Para Um Novo Começo” – Centro Político Marxista

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