PREVISÕES PARA 2022
- paraumnovocomeco
- 18 de jan. de 2022
- 10 min de leitura
Atualizado: 19 de jan. de 2022

Por Michael Roberts
Publicado originalmente em 1/1/2022
Tradução: Arthur Henrique
18/01/2022
No começo de cada ano, eu faço uma tentativa de previsão do que acontecerá na economia mundial ao longo do ano. O ponto em realizar alguma previsão é normalmente riicularizado. Afinal, certamente há muitos fatores que abastecem uma previsão econômica para que se chegue perto do que eventualmente ocorre. Mais ainda, as previsões dos economistas mainstream tornaram-se notáveis por suas falhas. Em particular, eles nunca preveem uma queda na produção e no investimento nem em pelo menos um ano a frente. Na minha visão, isso mostra um compromisso ideológico em promover o modo de produção capitalista. Ainda que seja uma característica revalidada do capitalismo de que há quedas regulares e recorrentes na produção, investimento e emprego, essas quedas nunca são previstas pelos economistas mainstream ou pelas agências oficiais até que elas ocorram.
Isso não quer dizer que uma previsão seja uma perda de tempo, na minha visão. Na análise científica, a teoria precisa ter algum poder de previsão, o que se aplica também à economia, caso a considere enquanto ciência e não apenas apologia do capitalismo. Logo, se for para validar a teoria da crise de Marx, deve haver algum poder de previsão – notadamente de que quedas na produção capitalista ocorrerão em intervalos regulares recorrentes, principalmente devido às mudanças na taxa de lucro do capital e dos resultados dos movimentos nas massas de lucro na economia capitalista.
Mas como eu argumentei em posts anteriores [https://thenextrecession.wordpress.com/blog/ ], conjecturas e previsões são diferente. A partir de seus modelos, climatologistas preveem um perigoso aumento na temperatura global; e virologistas também tem previsto um aumento letal nos patógenos capazes de atingir os humanos em uma série de pandemias. Mas prever quando exatamente essas conjecturas se tornarão realidade é muito mais difícil. Por outro lado, climatologistas ainda não são capazes estabelecer muito bem a previsão do tempo de um país ao longo de um ano inteiro, mas seus modelos são muito precisos em relação à previsão do tempo dospróximos três dias. Assim, previsões para a produção, investimento, preços e nível de empregos ao longo de um ano não é assim tão impossível.
De toda forma, vamos arriscar e fazer algumas previsões para 2022. As previsões para o ano passado foram relativamente simples [https://thenextrecession.wordpress.com/2021/01/02/forecast-for-2021/ ]. Estava claro que todas as maiores economias teriam uma recuperação da queda de 2020. Eu escrevi: “O crescimento real do PIB e as taxas de desemprego começarão a declinar e as despesas do consumidor se elevarão”. Com o desenrolar das vacinações, as “economias do G7 deverão se recuperar significativamente por volta do meio do ano”. Mas eu acrescentei que “isso não será uma retomada na forma de ‘V’, o que significaria um retorno a níveis anteriores da produção nacional, emprego e investimento. Ao final de 2021, a maioria das economias mais desenvolvidas (com exceção da China) ainda terão níveis de produção abaixo de 2020”. Essas previsões se mostraram factíveis.
Havia duas razões principais do porque eu esperava que a recuperação econômica ao final de 2021 não reestabeleceria a produção global aos níveis de 2019. Primeiro, havia um trauma’ significativo nas maiores economias [https://thenextrecession.wordpress.com/2020/05/02/the-scarring/ ] relacionados à Pandemia de COVID no que se refere aos empregos, investimentos e produtividade do trabalho que nunca pode ser recuperado.
Isso se revelou em um elevado crescimento da dívida, tanto do setor público quanto do privado, que pesa sobre as economias mais desenvolvidas como um dano permanente de uma ‘longa pandemia de COVID’ que afeta milhões de pessoas.

Dívida global se aproxima rapidamente de US$ 300 trilhões]
Esse ‘trauma’ se mostrou também como uma queda no lucro médio do capital nas economias mais desenvolvidas ao longo de 2020 para um novo descenso, cuja retomada em 2021 não foi o suficiente em restaurar sequer o nível de 2019.

taxa de lucro do capital não-financeiro nos EUA (%) – Medida Basu-Wasner
Ainda assim, conforme esperado, o crescimento real do PIB em 2021 foi provavelmente de 5%, após uma diminuição sem precedentes para 3,5% na crise de 2020. De acordo com o FMI, nas economias capitalistas avançadas, o PIB real per capita caiu para 4.9% em 2020 mas subiu 5.0% em 2021. Isso significa que o PIB real per capita nessas economias ainda estava levemente abaixo do nível alcançado ao final de 2019. Assim, temos dois anos de trauma.
Maiores previsões para esse ano, 2022, são mais (ou menos) do mesmo de 2021. A expectativa é de um crescimento de 3.5%-4% da economia mundial em termos reais – uma desaceleração significativa comparada a 2021 (baixa de 25% nessa taxa). Mais ainda, se prevê que as economias capitalistas avançadas (ECA a partir daqui) crescerão menos de 4% em 2022 e menos de 2.5% em 2023.

A história é a mesma para as chamadas economias emergentes (EEM) no ‘Sul Global’, incluso China e Índia. China foi a única das maiores economias que evitou uma queda no ano da COVID, 2020. Mas o crescimento da produção da China em 2021 foi muito mais fraco do que após a Grande Recessão em 2009. O Conference Board subestima seriamente as taxas de crescimento da China [https://thenextrecession.wordpress.com/2020/10/28/chinas-growth-challenge/ ], mas, ainda assim, em 2022 o PIB real da China dificilmente cresce muito acima dos 5%.
O que essas previsões sugerem é que a ‘sugar-rush’ [algo como ‘corrida pelos doces’ – Nota do Tradutor] do gasto reprimido dos consumidores [https://thenextrecession.wordpress.com/2021/03/21/the-sugar-rush-economy/ ] engendrado pelos subsídios em dinheiro por conta da COVID a partir de gastos fiscais dos governos e as enormes injeções de dinheiro de crédito pelos Bancos Centrais estão minguando e continuarão assim esse ano. De fato, como sabemos, Bancos Centrais estão agora planejando em ‘estabilizar’ sua criação de créditos e até em elevar as taxas de juros para empréstimos. O Banco da Inglaterra já começou a subir suas taxas e o FED dos Estados Unidos planeja três subidas para a parte final de 2022.
E todas as previsões para esse ano se baseiam na consideração de que a nova variante Ômicron da COVID se mostrará de vida curta e capaz apenas de causar danos leves na saúde humana, graças às vacinações e a novos tratamentos médicos. Isso pode ser otimista, mas mesmo se a Ômicron não causar distúrbios econômicos esse ano, não há certeza de que outra variante ainda mais devastadora não possa emergir. Logo, na minha visão, há uma terceira perna nas consequências da crise da COVID, que aparecerá provavelmente em 2022. Na minha previsão de 2021, eu levantei a possibilidade de que tal era o tamanho da dívida corporativa e tal era o número das chamadas ‘empresas zumbis’ que não estão dando lucro suficiente sequer para cobrir suas dívidas de operação (a despeito de taxas de juros muito baixas), que uma quebra financeira poderia ocorrer.

Empresas Zumbi estão em um nível sem precedentes de obrigações na casa de US$ 1.4 trilhões
E esse é somente o risco nas economias capitalistas avançadas. As assim chamadas economias emergentes já estão em um estado terrível. Segundo o FMI, cerca de metade das Economias de Baixa Renda (EBRs) já estão em perigo de default das dívidas. Dívidas dos ‘mercados emergentes’ em relação ao PIB aumentaram de 40% para 60% nessa crise. E há pouco espaço para reforçar o gasto governamental para aliviar o impacto.
Os países ‘desenvolvidos’ estão em uma posição muito mais fraca comparada com a crise financeira global de 2008-09. Em 2007, 40 mercados emergentes e países de média renda tiveram juntos um superávit fiscal dos governos centrais de 0.3% do produto interno bruto, segundo o FMI. Ano passado, eles anotaram um déficit fiscal de 4.9% do PIB. O déficit governamental das ‘economias emergentes’ na Ásia foi de 0.7% do PIB em 2007 para 5.8% em 2019. Na América Latina, subiu de 1.7% do PIB para 4.9%; E as economias emergentes da Europa foram de um superávit de 1.9% do PIB para um déficit de 1%. O Conference Board está prevendo uma queda da taxa de crescimento real do PIB para a América Latina em dois terços, de 6.4% para 2.2% e ainda mais baixo em 2023. Isso é a receita para uma séria crise monetária e da dívida nesses países em 2022 – A Argentina já está caminhando para outro default de sua dívida.
Governos das economias emergentes estão, portanto, frente a um dilema entre aplicar uma severa austeridade fiscal, o que prolongaria a estagnação; ou uma desvalorização cambial, na tentativa de reforçar o crescimento de suas exportações. O governo turco de Erdogan já optou por uma política de cortar e não elevar as taxas de juros – política ao estilo da Modern Monetary Theory [MMT]. Isso levou à uma debandada de capital e uma depreciação de 40% da Lira turca em relação às moedas mais fortes. A inflação disparou. Em 2022, a economia turca vai afundar e uma ‘estagflação’ se sucederá.
Uma crise financeira e da dívida não ocorreu em 2021. Pelo contrário, os mercados de ações e títulos nunca estiveram tão bem. Créditos financiados por bancos centrais inundaram os ativos financeiros como se não houvesse amanhã. O resultado foi um estrondoso aumento nos preços dos ativos financeiros (ações e títulos) e no patrimônio real. Os bancos centrais injetaram US$ 32 trilhões em mercados financeiros desde o início da pandemia de COVID-19, elevando a capitalização do mercado global de ações em US$60 trilhões. E companhias mundo afora levantaram US$12.1 trilhões vendendo ações, realizando empréstimos como consequência. O índice do mercado de ações dos EUA cresceu 17% em 2021, repetindo um aumento similar em 2020. O índice S&P alcançou alta recorde. O índice Nikkei 225 entregou seu maior ganho anual desde 1989.
Mas, conforme avançamos em 2022, os dias de ‘dinheiro fácil” e empréstimos baratos estão chegando ao fim. O enorme boom no mercado de ações dos últimos dois anos parece esgotar-se. De fato, desde abril de 2021, apenas as ações de cinco empresas high-tech – Apple, Microsoft, Nvidia, Tesla e Alphabet, controladora do Google – contabilizaram mais da metade do aumento do índice US S&P, enquanto 210 ações estão 10% abaixo de seu
maior preço alcançado. E um terço dos ‘empréstimos alavancados’, uma forma popular de criação de dívida, têm uma dívida em relação à taxa de rentabilidade que excede os seis pontos nos EUA, um nível considerado perigoso para a estabilidade financeira.
Assim, esse poderia ser um ano com um crash financeiro ou pelo menos uma retificação severa nos preços dos mercados de ações e títulos conforme as taxas de juro cresçam, conduzindo eventualmente uma camada de empresas zumbi à bancarrota. Isso é o que os bancos centrais temem [https://thenextrecession.wordpress.com/2021/12/16/the-central-bankers-dilemma/ ]. É por isso que a maioria deles tem sido bastante cautelosa em relação ao encerramento da era do dinheiro fácil. Ainda que tenham se voltado a fazê-lo por conta do aumento agudo nas taxas de inflação dos preços de bens e serviços em muitas das maiores economias.

Taxa anual de inflação para bens e serviços nos EUA (%)
Esse pináculo inflacionário se deve principalmente à demanda reprimida de consumidores, conforme as pessoas gastam as poupanças construídas ao longo dos lockdowns, se deparando com ‘gargalos’ na oferta. Esses gargalos são resultado das restrições dos transportes internacionais de bens e componentes assim como as restrições continuas em matérias prima e componentes para a produção – isso é parte das consequências da crise do COVID de 2020 e porque grande parte do mundo ainda sofre com a pandemia.
Os economistas mainstream estão divididos em se esse pináculo inflacionário é ‘transitório’ e a inflação retornará ao ‘normal’, ou se não [https://thenextrecession.wordpress.com/2021/05/09/inflation-and-financial-risk/ ]. Na minha visão, as atuais taxas altas de inflação tendem a ser transitórias porque ao longo de 2022 o crescimento na produção, investimento e produtividade provavelmente começarão a decair para as taxas da ‘longa depressão’.Isso significará que a inflação baixará, ainda que fique mais alta que níveis pré-pandemia.
Há uma visão de que 2022 será em realidade o início de novos níveis do PIB e do crescimento da produtividade, conforme vivenciado pelos EUA nos ‘loucos anos 20’ do século passado, após o fim da pandemia de gripe espanhola. Durante os assim chamados loucos anos 20, o PIB real dos EUA cresceu 42% e em 2.7% per capita anualmente. Mas parece não haver evidência para justificar a afirmação otimista de alguns economistas mainstream de que o mundo capitalista avançado está prestes a vivenciar loucos anos 2020s
[https://thenextrecession.wordpress.com/2021/04/18/the-roaring-twenties-repeated/ ]. A maior diferença entre os anos 1920 e os 2020 é de que a crise de 1920-21 nos EUA e Europa limpou a ‘terra devastada’ de empresas ineficientes e não lucrativas, de forma que as sobreviventes mais fortes puderam se beneficiar de uma fatia maior do mercado. A lucratividade do capital cresceu agudamente na maioria das economias. Não se prevê nada disso para 2022 ou futuramente, conforme as previsões do Conference Board (acima) mostram, ou as do FMI em relação a isso (abaixo).

Taxa de crescimento médio anual do PIB (%)
Os otimistas de um novo boom para a década de 2020, que deslocaria a longa depressão da década de 2010, como o Conference Board, baseiam seus argumentos no reestabelecimento do Fator de Produtividade Total (FPT). Essa medida captura supostamente o papel da eficiência e produtividade no crescimento da produção. O CB afirma que o FPT global crescerá 0.4% em média anual nessa década, comparada com uma taxa de zero dos últimos 20 anos. Isso não é muito um incremento se comparado com a desaceleração prevista ou até a queda do emprego para os de idade ativa e o fraco crescimento do investimento mundial em capital. De fato, no 3 quadrimestre de 2021, o crescimento da produtividade nos EUA caiu para um quarto da maioria dos últimos 60 anos, enquanto a taxa anual baixou 0.6%, o maior declínio desde 1993, conforme a ocupação cresceu mais que a produção.
Um grande boom seria possível somente se, de acordo com Marx, houvesse uma significativa destruição nos valores do capital em uma crise maior. Ao limpar o processo de acumulação de tecnologia obsoleta e de capital infrutífero e não lucrativo, a inovação de novas empresas poderia então prosperar. Isso porque tal ‘destruição criativa’ entregaria uma taxa maior de lucratividade. Mas ainda não há sinal de nenhuma recuperação aguda da lucratividade do capital. Provavelmente precisaria haver um crescimento sustentável de cerca de 30% na lucratividade para entregar um novo boom econômico como os dos ‘loucos anos 20’ ou o da ‘era de ouro’ do pós-guerra ou ainda daquela modestamente alcançada no período neoliberal do final do século 20.
E não espere mais novas ajudas fiscais e monetárias dos governos. Dado o alto nível de endividamento no setor público, os governos que beneficiam os negócios no mundo todo estão procurando reduzir o gasto fiscal e os déficits orçamentários. De fato, há uma preparação para aumentos dos impostos e o encurtamento do gasto governamental. De acordo com o FMI, o gasto governamental geral em 2022 cairá 8% do PIB em comparação com o ano passado. Essa queda se deve em parte ao menor suporte de gasto em relação à COVID e um crescimento do PIB.
Mas se olharmos para o gasto governamental dos EUA e as projeções de receita orçamentária, de acordo com o Departamento Orçamentário do Congresso dos EUA [https://www.cbo.gov/publication/56991 ], o gasto governamental federal declinará 7% em média até 2026 comparado com os níveis de 2021, enquanto a projeção de impostos espera um crescimento de 25%. O déficit orçamentário federal dos EUA cairá pela metade em 2022 e se manterá assim para os próximos anos. Logo, não há nenhum estímulo fiscal ao estilo Keynesiano planejado – pelo contrário.
O plano do presidente Biden de expandir o gasto fiscal [https://thenextrecession.wordpress.com/2021/01/20/bidens-four-years/ ] foi bloqueado pelo Congresso e de toda forma teria apenas um pequeno impacto na atividade econômica. O fundo de recuperação da União Europeia para as economias mais fracas da zona do Euro ainda não se iniciou e mais uma vez será insuficiente para sustentar um rápido crescimento econômico.
Concluindo, considerando que não haverá mais nenhum desastre em relação a ainda vigente pandemia de COVID, a economia mundial crescerá em 2022, mas nem de longe perto do que foi a ‘sugar-rush’ do ano de 2021. E ao final desse ano, a maioria das economias mais avançadas terão começado a escorregar de volta em direção ao baixo crescimento, às tendências de baixa produtividade da Longa Depressão dos anos 2010, com a possibilidade de crescimento ainda menor para o restante da década.
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