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RESISTÊNCIA OU INTEGRAÇÃO - ALDO CASAS

  • paraumnovocomeco
  • 6 de abr. de 2021
  • 6 min de leitura

15/12/2019


Exposição realizada no lançamento do livro "Resistência ou Integração: dilemas das organizações populares da Argentina e da América Latina"


Boa tarde. Obrigado a todas e todos os que aqui estão para trocar ideias e experiências e aos organizadores da atividade por me dar a palavra. Sobretudo porque diferente dos meus companheiros deste painel, eu não escrevi nenhum dos artigos publicados no livro que nos traz aqui. Só posso alegar que contribuí para sua publicação enquanto membro do coletivo e editorial Herramienta. Naquele momento “não me animei” a colaborar na escrita do livro, porque não tinha muito claro nem o que dizer, nem o lugar de onde fazê-lo. No entanto, depois de ler o livro já editado, me animo e tenho vontade de compartilhar algumas opiniões. Serão quatro parágrafos: algo sobre o contexto mundial, uma reflexão sobre o momento regional, e dois comentários especificamente referidos ao livro.

1) O capitalismo em nível mundial está imerso em uma crise sistêmica que tende a se agravar. As incessantes inovações produtivas e tecnológicas que vêm se introduzindo (exploração de novos “recursos naturais”, robótica, automatização, informatização) não conseguem impulsionar um novo ciclo de expansão. O que, sim, aumenta é a precarização do trabalho, o desemprego estrutural, a financeirização. E uma potencial guerra comercial torna mais plausíveis as previsões dos economistas de que estaríamos nos umbrais de uma grave recessão a escala internacional.

O desenvolvimento e as disputas geopolíticas em nível técnico-econômico e da informática possibilita sua utilização com fins de controle social, proporcionando ao capital e aos Estados uma capacidade sem precedente de controle e manipulação. Politicamente assistimos ao que o sociólogo Ricardo Antunes (tomando uma fórmula utilizada por Florestan Fernandes para o Brasil) denominou “contrarrevolução preventiva e generalizada”, que a disputa entre a declinante hegemonia dos Estados Unidos e as pretensões de Rússia e China torna mais complexa. Uma fratura que eventualmente poderá ser aproveitada para resistir às pretensões dos ianques sobre o que consideram “seu quintal”, o que não justifica acreditar que Putin ou o supercapitalista Estado chinês possam ser considerados aliados de nossos povos. Enfim a ameaça de barbárie se agiganta como consequência do câmbio climático e do esgotamento dos recursos naturais vitais. Neste marco a luta contra o capitalismo adquire a importância de uma luta pela sobrevivência mesma da civilização e da espécie humana, emancipada do molde produtivo colonizador e destrutivo (de povos e da natureza) que o capitalismo impôs urbi et orbi

2) América Latina ingressou em um momento de abruptas mudanças, ao calor de grandes confrontações entre os despossuídos e as pretensões do grande capital. Essa disputa se expressa em revoltas populares e reações dos opressores. Em um polo afloram esperanças coletivas e no outro as elites recorrem aos mais bárbaros recursos contrarrevolucionários. As batalhas são decididas nas ruas e nas urnas. Os poderosos recorrem à repressão policial e militar, manipulam a informação, e incentivam o ressentimento da classe média empobrecida oferecendo, agitando os fantasmas do vandalismo e o extremismo para lançá-las com métodos neofascistas contra diversos “bodes expiatórios” e contra a esquerda. Em toda a região, e em um processo vertiginoso, vitórias significativas coexistem com derrotas e preocupantes retrocessos. No século XXI, Nossa América é a região do mundo que não tem deixado de lutar, opondo resistências e barreiras momentâneas ao avanço do neoliberalismo, desenvolvendo forças contestatórias múltiplas e variadas que, no entanto, não conseguiram confluir para se constituir em sujeito plural antagônico ao capital, um sujeito com força social, organização coletiva e projeto alternativo estrategicamente orientados para ir além do capital. A plena solidariedade com a admirável resistência da Venezuela bolivariana, não deve ocultar que o “golpe de timão” (a virada) que Chávez reivindicava não se deu e hoje todo o esforço do governo parece esgotar-se em sobreviver como seja possível. Na Bolívia o golpe de estado que não terminou de consolidar-se implica uma regressão brutal que devemos denunciar e combater deixando de lado a ilusória meta do “capitalismo andino-amazônico” que frustrou as expectativas iniciais do processo de mudança, a Constituinte o Estado Plurinacional e os proclamados (mas não aplicados) princípios do Bom Viver. Em nosso país, Macri foi derrotado eleitoralmente mas a força política que triunfou é a mesma que, sob pretexto de salvar a “governabilidade” permitiu que Macri levasse até o fim o programa de ajuste, endividamento e entrega. E que chega ao governo pedindo paciência e tempo para diminuir a pobreza e reativar o mercado interno, apostando que um Pacto Social permitiria pagar a dívida externa (ao FMI e aos credores) ao mesmo tempo acabando com a fome e melhorando salários. Negociam a descrimininalização ou legalização do aborto com a Igreja, os evangélicos e governadores “antidireitos” com um resultado incerto. Máximo Kirchner aplaude o compêndio de boas intenções que se apresenta como um programa de bom governo elaborado pelos movimentos sociais integrados na Frente de Todos, mas se elege um gabinete comprometido com o aprofundamento do perfil agroexportador e extrativista requeridos pelo mercado mundial e as transnacionais. Derrotar o golpismo, o imperialismo e o neoliberalismo é o grande objetivo das lutas atuais, mas para consegui-lo será imprescindível que, junto com a mobilização, se intensifique a ação política, demonstrando nesse terreno que temos aprendido com as debilidades e erros que a direita sabe aproveitar tão bem. Entendo que podem servir para isto o livro que nos reúne, e as futuras elaborações que lhe deem continuidade.

3) Resistência ou Integração. Como bem se diz a partir do título, para evitar a integração e com ela as derrotas mais sangrentas, será preciso que a nova resistência ilumine um projeto societário alternativo, que deveremos construir no próprio caminho. Devemos romper com a paralisia que defende o “possibilismo”, reconhecendo e assumindo a necessidade e a atualidade da revolução, mas isto só será possível nos atrevendo a revolucionar a concepção mesma da revolução e de seus conteúdos, que não são nem poderiam ser os mesmos que nutriram as revoluções do século XX, marcadas pelas ilusões na Modernidade, no Progresso, no desenvolvimento produtivista e uma ilimitada “exploração da natureza”. Vale esclarecer: assumir uma perspectiva revolucionária e descartar o reformismo e o possibilismo por serem orientações políticas baseadas na falácia de que a estabilidade e progressividade do capitalismo fariam desnecessário ou impossível ir além do capital, não significa de modo algum renunciar à luta por reformas nem desprezar conquistas parciais por mínimas que sejam. Distinguindo, é claro, entre efetivas reformas (cada vez mais improváveis e instáveis) e as mudanças cosméticas que se propõem para que nada mude. E atendendo à possibilidade de ocasiões em que possa se lutar pelo que Harvey denomina “reformas revolucionárias” que em vez de consolidar, desestabilizam o sistema. Enfrentamos problemas teóricos e práticos de imensa complexidade que devemos assumir e discutir sem complexos nem dissimulações, para destacar e aprofundar acordos, para reconhecer tensões, matizes e ênfases diversos que enriquecem e ajudam a considerar com equilíbrio o alcance das divergências e reconhecendo que frente a muitas questões não temos respostas. O livro que nos reúne faz uma significativa contribuição a esta necessária e impostergável reflexão e elaboração coletivas, contribui com vozes e experiências: a partir da imensa mobilização dos feminismos e sua contribuição à interseccionalidade, a partir das lutas pela defesa e transformação da educação pública, do sindicalismo classista, a partir das lutas ambientais e territoriais, recuperando o revolucionário e imprescindível combate pela democracia socialista para mencionar só alguns dos temas abordados. Permito-me reivindicar especificamente a profunda crítica e autocrítica de nossa própria experiência (a da “esquerda independente”, “popular “ou como se prefira denominá-la) sobre a que escreve Miguel Mazzeo. Também a lúcida e valente postura de Sérgio Nicanoff e Fernando Stratta assinalando que “evitar a cooptação e a subordinação política será essencial, olhando-se para no futuro. É factível um cenário em que a instabilidade econômica e política não seja um aspecto somente da conjuntura, mas um elemento de longo prazo”. E advertem sem meias palavras sobre os limites atuais e contradições de movimentos sociais com uma subjetividade em grande medida integrada e referências comprometidas a defender a governabilidade do sistema. Para enfrentar um novo ciclo de previsíveis ajustes a fim de pagar a dívida externa com o FMI e os credores e de aprofundamento do modelo dependente extrativo-exportador propõe-se elementos de uma estratégia alternativa. Claro que estes artigos, como livro todo, não pretendem fechar senão propor novas e frutíferas discussões...

4) A leitura do livro e a constatação de significativos acordos, me levam a uma reflexão final. Por banal e conhecido que isso possa parecer me atrevo a recordar que estudar e discutir não é suficiente. Para construir respostas aos dilemas que a realidade nos coloca são imprescindíveis as contribuições da história, a teoria social, a ecologia e o feminismo... mas para atuar e incidir no presente é necessário, como disse há décadas o filósofo Walter Benjamin e anos depois repetiu o investigador-militante Daniel Bensaïd, reconhecer a primazia da política. Nada pode substituir o desenvolvimento de práticas, construções e lutas políticas, deitando raízes por baixo e entre os debaixo, desenvolvendo um empenho político de longo alcance. Penso que nas atuais circunstâncias esse esforço deveria ser canalizado, controlado e potencializado pela confluência de diversas organizações dispostas a se dotar de um marco orgânico comum, federativo ou de movimento, mas com organismos (de coordenação, condução e militância de base) comuns. A leitura do livro e esta reunião mesma me deixam esta interrogação: as organizações aqui reunidas poderão/quererão (?) assumir o desafio de tentar, sem esperar acordos plenos (que não podem surgir do ar), sabendo-se que ninguém pode garantir que a tentativa seja exitosa. Sem ultimatismos, sem buscar atalhos nem acordos meramente formais ou circunstanciais. Sem apressamentos, mas sabendo que o ciclo político que se inicia requer que a esquerda “não tradicionalista” se construa, com este tipo de esforços e convergências coletivas, no seio do povo trabalhador, com seus múltiplos e variados componentes e frentes de luta.

Aldo Casas 20 de novembro de 2019


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